domingo, 27 de março de 2016

O impeachment da presidente Dilma Roussef é golpe

publicado em http://www.conjur.com.br/

O impeachment da presidente Dilma Roussef é golpe

27 de março de 2016, 16h25

Desde o momento em que o Presidente da Câmara dos Deputados recebeu a denúncia de impeachment contra a Presidenta da República Dilma Rousseff instaurou-se na sociedade e, notadamente, no meio jurídico acirrado debate sobre a natureza jurídica do impeachment e sua legalidade no caso. Ministros e ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) foram chamados a se manifestar sobre o impeachment, sua natureza e legalidade. De igual modo vários juristas, também, se manifestaram através de artigos, pareceres e declarações sobre o tema.
Mesmo para aqueles que entendem que a natureza do impeachment é predominantemente política, para se evitar qualquer flerte com o golpismo, o julgamento deve ser guiado pelos princípios fundamentais do direito, hipótese outra representaria afronta ao próprio Estado democrático de direito. Seria, portanto, neste contexto, inimaginável e igualmente absurdo o Parlamento julgar a Presidenta da República por conduta que não esteja prevista em lei (princípio da legalidade) como crime de responsabilidade.
O princípio da legalidade – nullum crimen nulla poena sine lege praevia -  é pedra angular do direito penal. Além de ser um princípio constitucional limitador do poder punitivo estatal – o juiz só poderá julgar de acordo com o que está previsto na lei e nos limites da mesma – trata-se de o princípio político que remonta a separação dos poderes.
Sustenta-se aqui, que o processo de impeachment tem natureza mista: política/jurídica. Segundo a ministra do STF Carmem Lúcia o impeachment tem natureza política e jurídica-penal. Sendo assim, mais do que nunca deve está restrito aos princípios constitucionais, processuais e penais. Portanto, em hipótese alguma poderá a Presidenta da República ser “impichada” sem que seja comprovado, sem qualquer sombra de dúvida, a prática de crime de responsabilidade de acordo com a lei.
Não é despiciendo lembrar que não há uma definição precisa e determinada dos “crimes de responsabilidade” que leve em conta os princípios fundamentais bem como da dogmática penal.
Neste particular, a taxatividade penal como corolário do princípio da legalidade é afrontada. A incriminação vaga e indeterminada de certos fatos, deixa incerta a esfera da licitude, comprometendo a segurança jurídica do cidadão. Na realidade, a incriminação vaga e indeterminada faz com que não haja lei definindo como delituosa certa conduta, pois, ao final, a identificação do fato punível fica ao arbítrio do julgador¹.
Quando a ministra Carmem Lúcia, ministro Dias Toffoli e outros afirmam que o impeachment não é golpe porque está previsto na Constituição da República, é preciso apreender e fazer a leitura correta da afirmação. Não satisfaz neste processo a previsão constitucional para afastar qualquer tentativa golpista. É imperioso que o devido processo legal, contraditório e ampla defesa sejam norteadores da decisão que será tomada pelo Congresso Nacional. No regime presidencialista a insatisfação popular não pode por si só levar ao impeachment do governante máximo do país.
Para o respeitável professor de direito público da UnB Marcelo Neves, “a DCR 1/2015, recebida pelo Presidente da Câmara dos Deputados, é inconsistente e frágil, baseando-se em impressões subjetivas e alegações vagas. Os denunciantes e o receptor da denúncia estão orientados não em argumentos jurídicos seguros e sustentáveis, mas sim em avaliações parciais, de caráter partidário ou espírito de facção. Aproveitam-se de circunstanciais dificuldades políticas da Presidente da República em um momento de grave crise econômica, desconhecendo, estrategicamente, o apoio que ela vem dando ao combate à “corrupção” e a sua luta diuturna para conseguir a aprovação de medidas contra a crise econômica no Congresso Nacional. Denunciantes e receptor afastam-se não apenas da ética da responsabilidade, mas também de qualquer ética do juízo, atuando por impulsos da parcialidade, do partidarismo e da ideologia, em prejuízo do povo brasileiro”.
De igual modo, como já referido, não se pode marginalizar os princípios da legalidade e da taxatividade em matéria penal.
Neste sentido, valioso o parecer cientifico apresentado pelos consagrados professores Juarez Tavares e Geraldo Prado, in verbis: “As pressões pela ‘flexibilização dos mandatos presidenciais’ via ampliação das hipóteses de impeachment, para abranger situações não enquadráveis, taxativamente, no art. 85 da Constituição – ou ainda para alargar o conceito de ‘crime de responsabilidade’ – atentam contra o significado da proteção constitucional ao voto direto, secreto, universal e periódico. É neste sentido que Martinez investe contra o que denomina como “tergiversação jurídica”, que afeta a segurança jurídica do sistema democrático ao permitir o emprego do “juízo político” “como um mecanismo de responsabilidade política, de controle da atuação cotidiana do presidente” e termina por afirmar tratar-se de um recurso inconstitucional. No Brasil a questão ganha contornos mais delicados dado o fenômeno que os cientistas sociais observam, relativamente a ‘atitudes ambivalentes perante a democracia’. “
Continuam os eminentes juristas: “O estudo de caso de emprego abusivo do “juízo político” na América Latina aponta para algumas condutas comuns, em particular, mas não exclusivamente, em processos que chegaram à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Em geral o abuso de poder concernente ao impeachment pode ser constatado pela: a) deliberada não aplicação dos critérios dogmáticos de definição dos “crimes de responsabilidade”; b) violação sistemática das garantias do devido processo”.
É necessário atentar que embora caiba ao Congresso Nacional, conforme já dito, processar e julgar a Presidenta da República deve tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado Federal se submeterem aos princípios constitucionais, as leis e as normas pertinentes à matéria. Forçoso ressaltar, ainda, que diante de um Estado de direito - que originariamente apresentava como características básicas: i. submissão ao império da lei; ii. separação harmônica dos poderes; iii. enunciado e garantia dos direitos individuais² - a “voz das ruas” por mais sedutora que seja, principalmente, para parlamentares, não pode em hipótese alguma suplantar o direito e as leis.

Por tudo, o pretendido impeachment da Presidenta da República Dilma Rousseff é golpe. Golpe porque não há crime de responsabilidade; golpe porque a “voz das ruas”  amplificada pela mídia não está acima da lei e nem da “voz das urnas”; golpe porque pretende transformar uma insatisfação momentânea e política em motivos irracionais, políticos e passionais para derrubar a Presidenta eleita com cerca de 55 milhões de votos; golpe porque há um inegável processo de criminalização da Presidenta Dilma, do ex-presidente Lula e do Partido dos Trabalhadores; por fim, é golpe porque não está de acordo com a lei, com o direito e com a justiça.
_______________________
¹FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 1991.
² SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

Um comentário:

  1. Vontade de combater 'golpeadores' que andam por aí... não é apontar 'milagreiros'... mas sim reivindicar/criar:
    - MAIS CAPACIDADE NEGOCIAL PARA OS CONTRIBUINTES/CONSUMIDORES!
    .
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    Ao não reivindicarem mais capacidade negocial... os contribuintes/consumidores estão otariamente a colocar-se a jeito dos lobbys que pretendem aplicar 'Golpes Palacianos'...
    .
    Ora, o contribuinte não pode ir atrás da conversa dos parolizadores de contribuintes - estes, ao mesmo tempo que se armam em arautos/milagreiros em economia (etc), por outro lado, procuram retirar capacidade negocial ao contribuinte!!!
    Mais, quando um cidadão quando está a votar num político (num partido) não concorda necessariamente com tudo o que esse político diz!
    Leia-se, um político não se pode limitar a apresentar propostas (promessas) eleitorais... tem também de referir que possui a capacidade de apresentar as suas mais variadas ideias de governação em condições aonde o contribuinte/consumidor esteja dotado de um elevado poder negocial!!!
    .
    .
    Caso 1:
    O CONTRIBUINTE TEM QUE SE DAR AO TRABALHO!!!
    -» Leia-se: o contribuinte tem de ajudar no combate aos lobbys que se consideram os donos da democracia!
    ---»»» Democracia Semi-Directa «««---
    -» Isto é, votar em políticos não é (não pode ser) passar um cheque em branco isto é, ou seja, os políticos e os lobbys pró-despesa/endividamento poderão discutir à vontade a utilização de dinheiros públicos... só que depois... a ‘coisa’ terá que passar pelo crivo de quem paga (vulgo contribuinte).
    -» Leia-se: deve existir o DIREITO AO VETO de quem paga!!!
    [ver blog « http://fimcidadaniainfantil.blogspot.pt/ »]
    .
    .
    Caso 2:
    CONCORRÊNCIA A SÉRIO!!!
    Não há necessidade do Estado possuir negócios do tipo cafés (etc), porque é fácil a um privado quebrar uma cartelização... agora, em produtos de primeira necessidade (sectores estratégicos) - que implicam um investimento inicial de muitos milhões - só a concorrência de empresas públicas é que permitirá COMBATER EFICAZMENTE A CARTELIZAÇÃO privada.
    [ver blog « http://concorrenciaaserio.blogspot.pt/ »]

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