Céu - Tropix - Download
N.º | Título | Compositor(es) | Duração | |
---|---|---|---|---|
1. | "Perfume do Invisível" | 5:08 | ||
2. | "Arrastar-te-ei" |
| 3:38 | |
3. | "Amor Pixelado" |
| 4:15 | |
4. | "Varanda Suspensa" |
| 4:48 | |
5. | "Pot-Pourri: Etílica / Interlúdio" (Part. Tulipa Ruiz) | Céu / Céu, Salters | 4:21 | |
6. | "A Menina e o Monstro" |
| 3:21 | |
7. | "Minhas Bics" |
| 3:17 | |
8. | "Chico Buarque Song" |
| 3:30 | |
9. | "Sangria" |
| 3:42 | |
10. | "Camadas" |
| 4:14 | |
11. | "A Nave Vai" | 3:47 | ||
12. | "Rapsódia Brasilis" |
| 3:54 |
Download
Tropix (www.ceumusic.com)
Céu brinca com beats. Debruçada sobre a luz do monitor, ela move o
cursor de lá para cá, clicando e arrastando frases musicais traduzidas em
gráficos horizontais. E por mais fluidos e quentes que sejam os sons que ela
manipula, eles se traduzem em uma linguagem dura, reta, quadrada e fria. Graves
encorpados, vocais sussurrados, ritmos malemolentes - todo calor humano
desaparece quando visualizado por gráficos de programas de edição de áudio. Foi
quando ela percebeu a constância do ritmo na sequência de picos de uma
determinada onda sonora e um clique soou - dentro dela.
Foi a partir deste insight que ela começou a mais ousada reinvenção de
sua carreira. Tropix é um disco sintético, noturno, reluzente. “Perfume do
Invisível”, a faixa de abertura, começa com a cadência mole e vocais de apoio
que remetem diretamente à faixa-título de seu segundo disco, Vagarosa. Mas logo
em seguida entra a guitarra disco music e o beat de pista de dança. De repente
ela se desvencilha das diferentes camadas orgânicas que compunham seu universo
musical para entrar num mundo de timbres frios, linhas de baixos pontiagudas,
viço robótico, ciclos repetitivos, eletrônica vintage.
Tropix é um mergulho neste universo de texturas artificiais que
atravessa diferentes experimentos sônicos da segunda metade do século passado:
o trip hop dos anos 90, a discoteca do final dos anos 70, o R&B dos anos
80, o casamento do hip hop com a música eletrônica. No entanto, não é uma
viagem no tempo. O novo disco de Céu é um olhar do século 21 e traça uma genealogia
pessoal de um mundo musical específico, um processo semelhante à viagem
jamaicana feita em seu disco-irmão Vagarosa. Mas este era um disco que habitava
o vasto e imponente cânone do reggae, e sua conexão com o sotaque brasileiro da
musicalidade de Céu fazia um sentido sentimental lógico, devido à conexão entre
as tradições musicais dos dois países.
Já este disco de 2016 é uma incógnita. Mais um desafio autoproposto como
todos seus discos, Tropix é um salto num escuro que Céu sequer havia flertado anteriormente.
E em vez de cercar-se diferentes músicos e produtores para lhe auxiliar nessa
jornada, ela preferiu liderar trabalhar com a banda enxuta como a que vinha
excursionando após o lançamento de seu DVD ao vivo, em 2014, com apenas três
músicos. A cozinha deste grupo era a mesma que a acompanhou neste período, com
Pupilo, o maestro do ritmo da Nação Zumbi, e o seu fiel escudeiro, o baixista
Lucas Martins. Mas em vez da guitarra, Céu queria um power trio com teclado - e
chamou o francês Hervé Salters, com quem já haviam tocado em outras
oportunidades, para assumir esse papel.
Líder do grupo de funk eletrônico General Eletriks, Hervé tocou com Femi
Kuti, Mayer Hawthorne e DJ Mehdi e passou por São Francisco na virada do
século, quando começou a trabalhar com a cena de hip hop local (com nomes como
Lyrics Born, Blackalicious e outros integrantes do coletivo Quannum). Sua
sensibilidade sintética - e notória compulsão por colecionar teclados e
instrumentos eletrônicos antigos - já lhe rendeu o rótulo de “o Ennio Morricone
do século 21” e encaixou-se perfeitamente como na nau vislumbrada por ela. Os
dois começaram a falar em trabalhar juntos depois que ela o convidou para tocar
teclados em “Rainha” num show que fez em Berlim (onde Hervé mora atualmente) em
novembro de 2014.
Porque por mais que Céu tenha Lucas, Pupilo e Hervé (os dois últimos
produzindo o disco) como integrantes de seu time, é ela quem pilota essa nave.
A cantora e compositora se estabeleceu como uma das principais vozes da atual
música brasileira ao quebrar uma série de paradigmas relacionados ao papel da
mulher neste cenário. Ela não é a musa inspiradora, nem intérprete à mercê de
produtores e compositores nem sequer uma cantora cuja escola foi a bossa nova.
Ela mesma compõe suas músicas, ela mesma escolhe seus rumos musicais e as
fronteiras por onde pode desbravar e sua formação musical vai do jazz ao hip
hop, passando pelo samba, reggae, música caribenha, africana e nordestina.
E a cada novo disco ela ampliava o território de abrangência. No
homônimo disco de estreia, cozinhou suas influências musicais num peculiar e
suave caldo sonoro, temperado principalmente com samba, reggae e música
africana. No disco seguinte, Vagarosa, fez a nuvem da influência jamaicana
dominar o ambiente e assim aumentar sua área de atuação. No cinematográfico
Caravana Sereia Bloom - uma espécie de “road movie” de som -, fez os horizontes
da estrada ampliarem ainda mais seus domínios sonoros. Mas por mais que sejam
universos diferentes - e concêntricos -, os três primeiros discos têm um calor
sonoro que se mistura com uma textura musical de leve aspereza, que alinha o
sussurro aos estalos do vinil e amplificadores valvulados.
Daí a ousadia de Tropix. Nele Céu despede-se por completo daquela
estética que funcionou como porto seguro em seus primeiros passos como artista.
Ao fechar esse ciclo com o lançamento do DVD ao vivo, ela viu-se pronta para
explorar os universos musicais que quisesse. E escolheu a noite néon, dos beats
e timbres eletrônicos antigos, da pista de dança e do pulsar de ciclos
repetitivos do harpeggiator.
Não é, no entanto, negação de seu passado - muito pelo contrário. Ao
trazer essa nova sonoridade para sua paleta, ela consegue equilibrar
perfeitamente sua sensibilidade neste cenário plástico e conseguimos perceber
cada vez mais forte quem é a autora Céu, onde está esta cabeça musical para
além das camadas estéticas que a envolvem. E assim o minimalismo eletrônico que
abre “Arrastar-te-ei” enrola-se no contratempo da tamba inventada pelo
baterista Helcio Milito (que atravessa outras parte do disco); o lirismo
inicial de “Amor Pixelado” engata num groove funk seco e sintético e o tecnopop
que abre “Etílica” funde-se à guitarra disco music de Pedro Sá (um dos poucos
convidados do disco) para desembocar num caleidoscópio de vocais psicodélicos
num dueto cantado e falado ao lado da outra convidada, a cantora e parceira
Tulipa Ruiz.
E entre os timbres frios podemos ver cores de outros gêneros, como o
xaxado eletrônico de “Minhas Bics”, o bolero futurista “Sangria” e o indie
ambient “Chico Buarque’s Song”, versão do obscuro grupo alternativo paulistano
Fellini, um universo lo-fi dos anos 80 recém-descoberto pela cantora. Outros
momentos são puramente íntimos, como a levada caribenha 8-bit de “Varanda
Suspensa” que recria os nostálgicos encontros com seu avô no litoral norte de
São Paulo e cujos vocais ao final foram criados por sua filha Rosa Morena. A
mesma Rosa serviu de inspiração para a música de ninar “A Menina e o Monstro”,
composta quando Céu começou a perceber o susto que a filha levou quando começou
a aprender a ler - ao perceber que tudo ao redor dela era texto.
O disco encerra com suas três faixas mais quentes, a sinuosa “Camadas”,
o jazz funk “A Nave Vai” (composta por Jorge Du Peixe, da Nação Zumbi) e a
borbulhante “Rapsódia Brasilis”, as três ornadas por cordas tão alheias ao
universo musical de Céu quanto os timbres eletrônicos que abrem Tropix,
mostrando que ela está disposta a ir muito mais além. Em sua capa, pela
primeira vez, Céu encara o mundo de frente, diferente do olhar tímido do
primeiro, do perfil absorto do segundo e do retrato distante do terceiro. Em
Tropix ela nos olha fixamente, sem ter medo de mostrar que sabe que já está em
um novo estágio - e, mais do que nunca, é ela quem decide isso.
Alexandre Matias
Céu brinca com beats. Debruçada sobre a luz do monitor, ela move o
cursor de lá para cá, clicando e arrastando frases musicais traduzidas em
gráficos horizontais. E por mais fluidos e quentes que sejam os sons que ela
manipula, eles se traduzem em uma linguagem dura, reta, quadrada e fria. Graves
encorpados, vocais sussurrados, ritmos malemolentes - todo calor humano
desaparece quando visualizado por gráficos de programas de edição de áudio. Foi
quando ela percebeu a constância do ritmo na sequência de picos de uma
determinada onda sonora e um clique soou - dentro dela.
Foi a partir deste insight que ela começou a mais ousada reinvenção de
sua carreira. Tropix é um disco sintético, noturno, reluzente. “Perfume do
Invisível”, a faixa de abertura, começa com a cadência mole e vocais de apoio
que remetem diretamente à faixa-título de seu segundo disco, Vagarosa. Mas logo
em seguida entra a guitarra disco music e o beat de pista de dança. De repente
ela se desvencilha das diferentes camadas orgânicas que compunham seu universo
musical para entrar num mundo de timbres frios, linhas de baixos pontiagudas,
viço robótico, ciclos repetitivos, eletrônica vintage.
Tropix é um mergulho neste universo de texturas artificiais que
atravessa diferentes experimentos sônicos da segunda metade do século passado:
o trip hop dos anos 90, a discoteca do final dos anos 70, o R&B dos anos
80, o casamento do hip hop com a música eletrônica. No entanto, não é uma
viagem no tempo. O novo disco de Céu é um olhar do século 21 e traça uma genealogia
pessoal de um mundo musical específico, um processo semelhante à viagem
jamaicana feita em seu disco-irmão Vagarosa. Mas este era um disco que habitava
o vasto e imponente cânone do reggae, e sua conexão com o sotaque brasileiro da
musicalidade de Céu fazia um sentido sentimental lógico, devido à conexão entre
as tradições musicais dos dois países.
Já este disco de 2016 é uma incógnita. Mais um desafio autoproposto como
todos seus discos, Tropix é um salto num escuro que Céu sequer havia flertado anteriormente.
E em vez de cercar-se diferentes músicos e produtores para lhe auxiliar nessa
jornada, ela preferiu liderar trabalhar com a banda enxuta como a que vinha
excursionando após o lançamento de seu DVD ao vivo, em 2014, com apenas três
músicos. A cozinha deste grupo era a mesma que a acompanhou neste período, com
Pupilo, o maestro do ritmo da Nação Zumbi, e o seu fiel escudeiro, o baixista
Lucas Martins. Mas em vez da guitarra, Céu queria um power trio com teclado - e
chamou o francês Hervé Salters, com quem já haviam tocado em outras
oportunidades, para assumir esse papel.
Líder do grupo de funk eletrônico General Eletriks, Hervé tocou com Femi
Kuti, Mayer Hawthorne e DJ Mehdi e passou por São Francisco na virada do
século, quando começou a trabalhar com a cena de hip hop local (com nomes como
Lyrics Born, Blackalicious e outros integrantes do coletivo Quannum). Sua
sensibilidade sintética - e notória compulsão por colecionar teclados e
instrumentos eletrônicos antigos - já lhe rendeu o rótulo de “o Ennio Morricone
do século 21” e encaixou-se perfeitamente como na nau vislumbrada por ela. Os
dois começaram a falar em trabalhar juntos depois que ela o convidou para tocar
teclados em “Rainha” num show que fez em Berlim (onde Hervé mora atualmente) em
novembro de 2014.
Porque por mais que Céu tenha Lucas, Pupilo e Hervé (os dois últimos
produzindo o disco) como integrantes de seu time, é ela quem pilota essa nave.
A cantora e compositora se estabeleceu como uma das principais vozes da atual
música brasileira ao quebrar uma série de paradigmas relacionados ao papel da
mulher neste cenário. Ela não é a musa inspiradora, nem intérprete à mercê de
produtores e compositores nem sequer uma cantora cuja escola foi a bossa nova.
Ela mesma compõe suas músicas, ela mesma escolhe seus rumos musicais e as
fronteiras por onde pode desbravar e sua formação musical vai do jazz ao hip
hop, passando pelo samba, reggae, música caribenha, africana e nordestina.
E a cada novo disco ela ampliava o território de abrangência. No
homônimo disco de estreia, cozinhou suas influências musicais num peculiar e
suave caldo sonoro, temperado principalmente com samba, reggae e música
africana. No disco seguinte, Vagarosa, fez a nuvem da influência jamaicana
dominar o ambiente e assim aumentar sua área de atuação. No cinematográfico
Caravana Sereia Bloom - uma espécie de “road movie” de som -, fez os horizontes
da estrada ampliarem ainda mais seus domínios sonoros. Mas por mais que sejam
universos diferentes - e concêntricos -, os três primeiros discos têm um calor
sonoro que se mistura com uma textura musical de leve aspereza, que alinha o
sussurro aos estalos do vinil e amplificadores valvulados.
Daí a ousadia de Tropix. Nele Céu despede-se por completo daquela
estética que funcionou como porto seguro em seus primeiros passos como artista.
Ao fechar esse ciclo com o lançamento do DVD ao vivo, ela viu-se pronta para
explorar os universos musicais que quisesse. E escolheu a noite néon, dos beats
e timbres eletrônicos antigos, da pista de dança e do pulsar de ciclos
repetitivos do harpeggiator.
Não é, no entanto, negação de seu passado - muito pelo contrário. Ao
trazer essa nova sonoridade para sua paleta, ela consegue equilibrar
perfeitamente sua sensibilidade neste cenário plástico e conseguimos perceber
cada vez mais forte quem é a autora Céu, onde está esta cabeça musical para
além das camadas estéticas que a envolvem. E assim o minimalismo eletrônico que
abre “Arrastar-te-ei” enrola-se no contratempo da tamba inventada pelo
baterista Helcio Milito (que atravessa outras parte do disco); o lirismo
inicial de “Amor Pixelado” engata num groove funk seco e sintético e o tecnopop
que abre “Etílica” funde-se à guitarra disco music de Pedro Sá (um dos poucos
convidados do disco) para desembocar num caleidoscópio de vocais psicodélicos
num dueto cantado e falado ao lado da outra convidada, a cantora e parceira
Tulipa Ruiz.
E entre os timbres frios podemos ver cores de outros gêneros, como o
xaxado eletrônico de “Minhas Bics”, o bolero futurista “Sangria” e o indie
ambient “Chico Buarque’s Song”, versão do obscuro grupo alternativo paulistano
Fellini, um universo lo-fi dos anos 80 recém-descoberto pela cantora. Outros
momentos são puramente íntimos, como a levada caribenha 8-bit de “Varanda
Suspensa” que recria os nostálgicos encontros com seu avô no litoral norte de
São Paulo e cujos vocais ao final foram criados por sua filha Rosa Morena. A
mesma Rosa serviu de inspiração para a música de ninar “A Menina e o Monstro”,
composta quando Céu começou a perceber o susto que a filha levou quando começou
a aprender a ler - ao perceber que tudo ao redor dela era texto.
O disco encerra com suas três faixas mais quentes, a sinuosa
“Camadas”, o jazz funk “A Nave Vai” (composta por Jorge Du Peixe, da Nação
Zumbi) e a borbulhante “Rapsódia Brasilis”, as três ornadas por cordas tão
alheias ao universo musical de Céu quanto os timbres eletrônicos que abrem
Tropix, mostrando que ela está disposta a ir muito mais além. Em sua capa, pela
primeira vez, Céu encara o mundo de frente, diferente do olhar tímido do
primeiro, do perfil absorto do segundo e do retrato distante do terceiro. Em
Tropix ela nos olha fixamente, sem ter medo de mostrar que sabe que já está em
um novo estágio - e, mais do que nunca, é ela quem decide isso.
Alexandre Matias
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