quinta-feira, 28 de abril de 2016

Psicólogo do esporte rebate Dunga: "Ignorância total sobre o assunto"

Psicólogo do esporte rebate Dunga: "Ignorância total sobre o assunto"

Considerado referência, doutor Renato Miranda classifica como rasa a declaração
do treinador sobre utilização de psicólogos na Seleção: "Precariedade intelectual"

Por Juiz de Fora, MGwww.globoesporte.com


Durante o evento "Somos Futebol", realizado pela CBF ao longo desta semana, Dunga criticou a utilização de psicólogos na seleção brasileira. Para o técnico, o jogador que chega após muitas horas de viagem não vai "abrir o coração para alguém que ele nem conhece". Ainda segundo ele, o atleta pode ter dúvidas até sobre a manutenção da confidencialidade do que diz: "Será que ele (psicólogo) vai contar para o dirigente? Será que ele vai contar para o treinador?" Polêmica, a declaração do treinador ecoou mal entre especialistas na ciência que estuda o comportamento e as funções mentais.
Doutor em Psicologia do Esporte pela Universidade Gama Filho, autor de dois livros a respeito do tema e uma das principais referências sobre o assunto no país, o professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Renato Miranda fez críticas pesadas às opiniões de Dunga. Para ele, a fala do técnico da Seleção demonstra desconhecimento do assunto.
– Pelo que lemos, o problema é a ignorância total sobre o tema. A crítica que ele faz não é da Psicologia do Esporte. Ele confunde Psicologia Clínica, ou algo próximo disso, com Psicologia do Esporte. Quando o Dunga diz isso e ainda dá suporte a essa ignorância afirmando que ele é autêntico e sincero, desculpe-me, mas isso não tem nada de autenticidade. Nem de sinceridade. Isso na verdade serve como um escudo para proteger a ignorância que a pessoa tem sobre determinado assunto, e por ter um ego muito forte, ser um ególatra, essa pessoa não consegue discernir a ignorância de um tema da sua própria capacidade de julgar algo que desconhece. Eu sou ignorante em vários temas, como Física Quântica, por exemplo. Aí eu vou dizer que Física Quântica é bobagem? – criticou.

Renato explicou por que a declaração de Dunga dá a entender que o treinador confunde temas diferentes.
– O psicólogo do esporte vai ajudar o atleta a não tomar um gol no primeiro minuto de jogo porque está desmobilizado, a controlar a ansiedade para não ficar em impedimento, por exemplo. Ele (Dunga) sequer sabe o que é um treinamento psicológico. Se algum atleta tiver algum distúrbio psicológico, vai se tratar com um psicólogo clínico. É a mesma coisa que eu criticar o jornalismo esportivo falando de jornalismo político. Você vai achar que eu estou doido – disse.
Renato Miranda afirmou ainda que compreende a opinião do técnico da Seleção, mas fez uma ponderação. Para o doutor em Psicologia do Esporte com especializações na Alemanha e na Rússia, Dunga deveria procurar se informar.
– A discussão do Dunga tem eco porque ele é o técnico de uma das melhores seleções de futebol do mundo. Só que é de uma precariedade intelectual de dar dó. Eu até entendo essa posição do Dunga pelo seguinte: na Seleção já passaram psiquiatras, ditos especialistas em autoajuda, em motivação, alguns psicólogos que não entendem nada de psicologia do esporte. Ou psicólogos que entendem de psicologia do esporte, mas não conseguiram, por um motivo ou por outro, fazer um grande trabalho. Então isso não me surpreende, a imagem que o sujeito tem é muito negativa. Mas acho que as pessoas deveriam procurar estudar. Os anos vão passando, e as pessoas continuam dizendo bobagens, coisas de ordem precária, ignorante em relação ao assunto, tratando as questões de uma maneira rasa, simplista, bruta, vergonhosa – afirmou.
"TÉCNICO FALHO"
O doutor em Psicologia do Esporte detalhou como é a aplicação do conhecimento nos treinamentos. Ele explicou que, atualmente, o psicólogo da área deve atuar juntamente à comissão técnica, no campo, auxiliando os atletas para que eles aprimorem o rendimento a partir do desenvolvimento cognitivo.
– Pergunte a qualquer atleta, de qualquer esporte, pode ser até amador: você acha que se houvesse um treinamento para melhorar sua capacidade de ficar concentrado para bater um pênalti, por exemplo, ou durante uma jogada de ataque, se melhorasse a sua concentração, isso seria importante? Você acha que se você aprendesse uma técnica para controlar a ansiedade antes de uma disputa de pênaltis seria bom? Por exemplo, o treinamento tático tem um componente psicológico muito forte, que é o componente cognitivo, ligado à percepção, aos focos de atenção, às demandas da concentração. Mas se o sujeito não sabe quais os elementos que compõem a concentração e a importância disso para o jogo, então ele é um técnico falho – rebateu.
Para Renato Miranda, passagens recentes da seleção brasileira revelam que há problemas na preparação psicológica dos jogadores. Ele afirmou que é preciso aprender com o que é praticado mundo afora.
– Diversos países fazem isso em vários esportes. Temos que ter discernimento para ver o que está acontecendo. Por isso que atleta fica chorando igual criança na hora do hino, em vez de estar feliz por estar participando de uma Copa. Por isso que na hora do pênalti fica tremendo e chorando – disse.
O professor universitário relatou ainda que a própria figura do técnico também precisa de acompanhamento do profissional.
– A preparação psicológica não é atrelada apenas ao jogador, mas ao técnico também. Como o técnico tem de controlar a ansiedade e o estresse dele quando está no banco, para pensar melhor como chamar a atenção de um jogador ou de outro de maneiras adequadas a cada um, como lidar com a imprensa, com os torcedores – explicou.

FORMAÇÃO DOS ATLETAS
Para o profissional, um dos problemas associados a esse despreparo está na formação do jogador brasileiro. Renato Miranda acredita que a formação dos atletas foca apenas nas partes técnica, tática e física, enquanto a psicológica, tão importante quanto as outras, segundo ele, fica de lado.
– As questões cognitivas, mentais e emocionais, que são a matriz do conhecimento da Psicologia do Esporte, são inerentes a qualquer formação de atleta desde a iniciação, como as preparações física, técnica e tática, como força, velocidade, agilidade, resistência. Essas são habilidades físicas, mas também existem habilidades psicológicas, como motivação, capacidade de desenvolvimento da automotivação, controle do estresse, percepção. A coordenação, a força, a velocidade, a resistência, o atleta não treina desde sempre? Então, a parte psicológica também tem de ser assim. Treinar a automotivação, autodisciplina, concentração, desde sempre. Agora, de maneira geral, nosso atleta é muito mal formado – opinou.
Na opinião de Renato Miranda, os próprios treinadores também deveriam ter mais conhecimento de Psicologia do Esporte para desenvolver as equipes.
– Seria ótimo se o técnico tivesse o conhecimento, porque o jogador confia mais. Assim, o treinador poderia passar tarefas para ele fazer no período em que está no clube, associando treinamentos de ordens física, técnica e tática às questões psicológicas. Não dá mais para separar. Está intimamente ligado – disse.
Consultor esportivo do Vôlei Juiz de Fora na Superliga masculina, Renato Miranda afirma que a psicologia pode ajudar os atletas até mesmo na difícil hora da aposentadoria, quando deixam de competir em alto nível e buscam outras alternativas para não se sentirem parados. Segundo ele, a valorização do aspecto psicológico é algo elementar e refletiu sobre os resultados recentes da Seleção.
– Hoje, se um jovem profissional do esporte, ainda no início de carreira, chegar a um clube ou a qualquer instituição e falar que as questões psicológicas são bobagens e não servem para nada, ele está despedido, de tão elementar que é. Talvez seja por isso que o Brasil já perdeu várias Copas que poderia ter ganhado – finalizou.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

“Recato” de Marcela, descrito por Veja, não é por acaso; mudez será necessária à retirada de direitos das mulheres por Michel Temer

“Recato” de Marcela, descrito por Veja, não é por acaso; mudez será necessária à retirada de direitos das mulheres por Michel Temer

por Luiz Carlos Azenha (www.viomundo.com.br)
O Brasil tem 100 milhões de mulheres. As militantes políticas são minoria e se concentram nas grandes metrópoles.
A imensa maioria ainda está “em disputa” entre os que pregam a derrubada de Dilma Rousseff e os que entendem que a eleição dela foi uma grande conquista de todas as brasileiras.
É preciso contextualizar.
Em 2010, o então presidente Lula pretendia fazer o sucessor. Na ordem “natural” de uma sociedade machista, conservadora e hierarquizada, uma mulher poderia enfrentar resistência em certas camadas do eleitorado, o que resultou no marketing bizarro segundo o qual o Pai Lula transferiria o poder à Mãe Dilma.
Foi o jeito que os marqueteiros petistas encontraram de atravessar o imenso fosso cultural que separa o Brasil metropolitano — onde as mulheres trabalham fora e são economicamente independentes — dos interiores, onde as mulheres trabalham muitíssimo, em casa ou fora, mas ainda vige fortíssima a ideia do todo-poderoso “pai de família”, ou “homem de bem”.
Mãe Dilma não tinha nada de ameaçadora. Seria apenas a continuidade de Lula, como zeladora da família.
Para os conservadores, melhor assim que apresentá-la como a guerrilheira que trocou de marido na clandestinidade, uma autonomia chocante para os padrões brasileiros de recato feminino.
De militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) à Mãe do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento, assim operou o marketing petista.

Recebi a indicação dos vídeos que reproduzo acima.
São resultantes do debate que se instalou desde que a revista Veja definiu a futura primeira dama Marcela — ainda que por apenas 180 dias, se o Senado aceitar por maioria simples a abertura de processo contra Dilma — como “bela, recatada e do lar”.
Fabiana Bertotti diz que provavelmente não haveria tantas críticas se fossem outros os adjetivos atribuídos a Marcela Temer. Sustenta que é direito de uma mulher ser recatada e do lar. Faltou acrescentar que, sim, desde que esta seja uma escolha da mulher, não um papel socialmente definido por homens.
Tanto ela quanto Marcia Tiburi contextualizam o significado da reportagem na atual conjuntura política, mas de forma insuficiente.
RECATO
Marcela não é apenas utilizada por Veja como um aparato para vender um vice insosso ao mercado. Ela é sutilmente apresentada como a anti-Dilma.
Marcela é a advogada que nunca exerceu a profissão, expressão no imaginário popular — o que não é necessariamente verdade no caso dela — da mulher que se preparou para casar e que reconhece o papel de subordinação ao marido.
Já Estela, trocou Lobato por Max na clandestinidade!
Estela (Dilma) teve de fugir às pressas de Belo Horizonte, desfazendo na prática o casamento com Lobato (Cláudio Galeno de Magalhães Linhares). Apaixonou-se por Max, Carlos Franklin Paixão Araújo, com quem teve a filha Paula.
Ou seja, Dilma exercia sua plena autonomia afetiva e sexual como mulher já nos anos 70.
BELEZA
A Marcela de Veja restaura em parcela significativa do eleitorado a “esperança” de que a mulher voltará a cumprir o papel de confirmar a vitalidade do governante.
Diferentemente de Ruth Cardoso e Marisa Lula da Silva durante o governo de seus maridos, Marcela é a jovem fértil que, segundo a reportagem, “tem o sonho de dar a Temer uma filha”.
Esta subordinação física da mulher a um “bem maior”, mesmo que indesejada pelo casal Temer, é o sonho de milhões de “homens de bem”.
Dilma assumiu a Presidência da República desfilando com a filha Paula, sem um falo aparente ao lado, como definiu uma professora de Minas Gerais que destaca o papel do machismo no golpe em andamento.
MARCELA, A RESTAURADORA
Ainda que Marcela não deseje este papel, é nele que a sociedade machista pretende enquadrá-la: restauradora do papel subordinado da mulher.
Veja foi apenas o veículo do “recado”.
Não é um fenômeno novo, nem que se restrinja ao Brasil: a reação dos homens à repentina mobilidade social, autonomia física e protagonismo social das mulheres é apontada como um dos motivos para a onda de estupros na Índia, país que passou por intensa migração do campo para a cidade.
O fenômeno mexeu tão repentinamente com o papel social das mulheres — que tiveram acesso a trabalho e educação fora do controle de pais, maridos e parentes  — que a falocracia tentou restaurar a ordem com violência sexual. É uma tese que merece ser estudada.
No Brasil, houve uma revolução silenciosa desde o fim da ditadura.
Lula e depois Dilma entregaram os cartões do Bolsa Família às mulheres da casa, assim como priorizaram as mulheres na entrega dos títulos de propriedade dos imóveis do Minha Casa, Minha Vida.
As mudanças não devem ser creditadas a eles: resultaram do acúmulo de forças da atuação política das mulheres antes, durante e depois da ditadura militar, com direitos inscritos na Constituição de 1988.
Ainda assim, o Brasil mudou muito menos do que deveria: a representação feminina no Parlamento, de pouco mais de 10%, é muito inferior inclusive a de paises que os brasileiros, logo eles, consideram “machistas”.
Registre-se que na votação da abertura do processo de impeachment, o “sim” não obteve os dois terços necessários entre as deputadas: foi 29 a 20, com uma ausência e uma abstenção.
Diante das estatísticas acima, a falta de protagonismo de Marcela, traduzida como “recato”, é talvez o aspecto mais significativo da reportagem de Veja: ela será a primeira-dama que pode até influir nos bastidores, mas sem a voz pública, autônoma, capaz de convocar outras mulheres à mudança social.
Num período em que se antevê a adoção de políticas econômicas e sociais regressivas pelo marido, não é por acaso que Marcela foi apresentada como “potencialmente grávida”, preocupada com o lar e o bem estar acima de tudo da própria família.
Assim, ela poderá apenas assistir quando o marido “for obrigado”, em nome dos “homens de bem”, a mexer com os aumentos do salário mínimo, elevar a idade da aposentadoria e manipular programas sociais para retirar direitos. Tudo isso afetará enormemente as mulheres.
Para Veja — e os que querem substituir Dilma por Temer — faz sentido reduzir Marcela à mudez de quem se preocupa apenas com a próxima consulta no dermatologista.

terça-feira, 19 de abril de 2016

Porque o senador Aloysio Nunes foi a Washington um dia depois da votação do impeachment?

Porque o senador Aloysio Nunes foi a Washington um dia depois da votação do impeachment?

Foto: Jefferson Rudy/ Agência Senado
por Glenn Greenwald, Andrew Fishman e David Miranda, no The Intercept
A Câmara dos Deputados do Brasil votou a favor da admissibilidade do impeachment da presidente do país, Dilma Rousseff, encaminhando o processo de afastamento para o Senado. Em um ato simbólico, o membro da casa que deu o voto favorável nº 342, mínimo para admitir o processo, foi o deputado Bruno Araújo, mencionado em um documento que demonstra que ele teria recebido fundos ilegais de uma das principais empreiteiras envolvidas no atual escândalo de corrupção do país. Além disso, Araújo pertence ao partido de centro-direita PSDB, cujos candidatos perderam quatro eleições seguidas contra o PT, de esquerda moderada, partido de Rousseff, sendo a última delas há apenas 18 meses atrás, quando 54 milhões de brasileiros votaram pela reeleição de Dilma como presidente.
Esses dois fatos sobre Araújo sublinham a natureza surreal e sem precedentes do processo que ocorreu ontem em Brasília, capital do quinto maior país do mundo. Políticos e partidos que passaram duas décadas tentando — e fracassando — derrotar o PT em eleições democráticas encaminharam triunfalmente a derrubada efetiva da votação de 2014, removendo Dilma de formas que são, como o relatório do The New York Times de hoje deixa claro, na melhor das hipóteses, extremamente duvidosas. Até mesmo a revistaThe Economist, que há tempos tem desprezado o PT e seus programas de combate à pobreza e recomendou a renúncia de Dilma, argumentou que “na falta da prova de um crime, o impeachment é injustificado” e “parece apenas um pretexto para expulsar um presidente impopular. ”
Os processos de domingo, conduzidos em nome do combate à corrupção, foram presididos por um dos políticos mais descaradamente corruptos do mundo democrático, o presidente da Câmara Eduardo Cunha (em cima, ao centro) que teve milhões de dólares sem origem legal recentemente descobertos em contas secretas na Suíça, e que mentiu sob juramento ao negar, para os investigadores no Congresso, que tinha contas no estrangeiro. O The Globe and Mail noticiou ontem dos 594 membros da Câmara, “318 estão sob investigação ou acusados” enquanto o alvo deles, a presidente Dilma, “não tem nenhuma alegação de improbidade financeira”.
Um por um, legisladores manchados pela corrupção foram ao microfone para responder a Cunha, votando “sim” pelo impeachment enquanto afirmavam estarem horrorizados com a corrupção. Em suas declarações de voto, citaram uma variedade de motivos bizarros, desde “os fundamentos do cristianismo” e “não sermos vermelhos como a Venezuela e Coreia do Norte” até “a nação evangélica” e “a paz de Jerusalém”. Jonathan Watts, correspondente do The Guardianapanhou alguns pontos da farsa:
Sim, votou Paulo Maluf, que está na lista vermelha da Interpol por conspiração. Sim, votou Nilton Capixaba, que é acusado de lavagem de dinheiro. “Pelo amor de Deus, sim!” declarou Silas Câmara, que está sob investigação por forjar documentos e por desvio de dinheiro público.
É muito provável que o Senado vá concordar com as acusações, o que resultará na suspensão de 180 dias de Dilma como presidente e a instalação do governo pró-negócios do vice-presidente, Michel Temer, do PMDB. O vice-presidente está, como The New York Times informa, “sob alegações de estar envolvido em um esquema de compra ilegal de etanol”. Temer recentemente revelou que um dos principais candidatos para liderar seu time econômico seria o presidente do Goldman Sachs no Brasil, Paulo Leme.
Se, depois do julgamento, dois terços do Senado votarem pela condenação, Dilma será removida do governo permanentemente. Muitos suspeitam que o principal motivo para o impeachment de Dilma é promover entre o público uma sensação de que a corrupção teria sido combatida, tudo projetado para aproveitar o controle recém adquirido de Temer eimpedir maiores investigações sobre as dezenas de políticos realmente corruptos que integram os principais partidos.
Os Estados Unidos têm permanecido notavelmente silenciosos sobre esse tumulto no segundo maior país do hemisfério, e sua postura mal foi debatida na grande imprensa. Não é difícil ver o porquê. Os EUA passaram anos negando veementemente qualquer papel no golpe militar de 1964 que removeu o governo de esquerda então eleito, um golpe que resultou em 20 anos de uma ditadura brutal de direita pró-EUA. Porém, documentos secretos e registros surgiram, comprovando que os EUA auxiliaram ativamente no planejamento do golpe, e o relatório da Comissão da Verdade de 2014 no país trouxe informações de que os EUA e o Reino Unido apoiaram agressivamente a ditadura e até mesmo “treinaram interrogadores em técnicas de tortura.”
Na foto, o deputado Jair Bolsonaro (Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil)
O golpe e a ditadura militar apoiadas pelos EUA ainda pairam sobre a controvérsia atual. A presidente Rousseff e seus apoiadores chamam explicitamente de golpe a tentativa de removê-la. Um deputado pró-impeachment de grande projeção e provável candidato à presidência, o direitista Jair Bolsonaro (que teve seu perfil traçado por The Intercept no ano passado), elogiou ontem explicitamente a ditadura militar e homenageou o Cel. Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe de tortura da ditadura (notavelmente responsável pela tortura de Dilma). Filho de Bolsonaro, Eduardo, também na casa, afirmou que estava dedicando seu voto pelo impeachment “aos militares de ’64”: aqueles que executaram o golpe e impuseram o poder militar.
A invocação incessante de Deus e da família pelos que propuseram o impeachment, ontem, lembrava o lema do golpe de 1964: “Marcha da Família com Deus pela Liberdade.” Assim como os veículos de comunicação controlados por oligarquias apoiaram o golpe de 1964, como uma medida necessária contra a corrupção da esquerda, eles estiveram unificados no apoio e na incitação do atual movimento de impeachment contra o PT, seguindo a mesma lógica.
Por anos, o relacionamento de Dilma com os EUA foi instável, e significativamente afetado pelas declarações de denúncia da presidente à espionagem da NSA, que atingiu a indústria brasileira, a população e a presidente pessoalmente, assim como as estreitas relações comerciais do Brasil com a China. Seu antecessor, Lula da Silva, também deixou de lado muitos oficiais norte-americanos quando, entre outras ações, juntou-se à Turquia para negociar um acordo independente com o Irã sobre seu programa nuclear, enquanto Washington tentava reunir pressão internacional contra Teerã. Autoridades em Washington têm deixado cada vez mais claro que não veem mais o Brasil como seguro para o capital.
Os EUA certamente têm um longo — e recente — histórico de criar instabilidade e golpes contra os governos de esquerda Latino-Americanos democraticamente eleitos que o país desaprova. Além do golpe de 1964 no Brasil, os EUA foram no mínimo coniventes com a tentativa de depor o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, em 2002; tiveram papel central nadestituição do presidente do Haiti, Jean-Bertrand Aristide em 2004; e a então Secretária de Estado, Hillary Clinton, prestou apoio vital para legitimar o golpe 2009 em Honduras, apenas para citar alguns exemplos.
Muitos na esquerda brasileira acreditam que os EUA estão planejando ativamente a instabilidade atual no país com o propósito de se livrar de um partido de esquerda que se apoiou fortemente no comércio com a China, e colocar no lugar dele um governo mais favorável aos EUA que nunca poderia ganhar uma eleição por conta própria.
Embora não tenha surgido nenhuma evidência que comprove essa teoria, uma viagem aos EUA, pouco divulgada, de um dos principais líderes da oposição brasileira deve provavelmente alimentar essas preocupações. Hoje — o dia seguinte à votação do impeachment — o Sen. Aloysio Nunes do PSDB estará em Washington para participar de três dias de reuniões com várias autoridades norteamericanas, além de lobistas e pessoas influentes próximas a Clinton e outras lideranças políticas.
O Senador Nunes vai se reunir com o presidente e um membro do Comitê de Relações Internacionais do Senado, Bob Corker (republicano, do estado do Tennessee) e Ben Cardin (democrata, do estado de Maryland), e com o Subsecretário de Estado e ex-Embaixador no Brasil, Thomas Shannon, além de comparecer a um almoço promovido pela empresa lobista de Washington, Albright Stonebridge Group, comandada pela ex-Secretária de Estado de Clinton, Madeleine Albright e pelo ex-Secretário de Comércio de Bush e ex-diretor-executivo da empresa Kellogg, Carlos Gutierrez.
A Embaixada Brasileira em Washington e o gabinete do Sen. Nunes disseram aoThe Intercept que não tinham maiores informações a respeito do almoço de terça-feira. Por email, o Albright Stonebridge Group afirmou que o evento não tem importância midiática, que é voltado “à comunidade política e de negócios de Washington”, e que não revelariam uma lista de presentes ou assuntos discutidos.
Nunes é uma figura da oposição extremamente importante — e reveladora — para viajar aos EUA para esses encontros de alto escalão. Ele concorreu à vice-presidência em 2014 na chapa do PSDB que perdeu para Dilma e agora passa a ser, claramente, uma das figuras-chave de oposição que lideram a luta do impeachment contra Dilma no Senado.
Como presidente da Comissão de Relações e Defesa Nacional do Senado, Nunes defendeu repetidas vezes que o Brasil se aproxime de uma aliança com os EUA e o Reino Unido. E — quase não é necessário dizer — Nunes foi fortemente apontado em denúncias de corrupção; em setembro, um juiz ordenou uma investigação criminal após um informante, um executivo de uma empresa de construção, declarar a investigadores ter oferecido R$ 500.000 para financiar sua campanha — R$ 300.000 enviados legalmente e mais R$ 200.000 em propinas ilícitas de caixa dois — para ganhar contratos com a Petrobras. E essa não é a primeira acusação do tipo contra ele.
A viagem de Nunes a Washington foi divulgada como ordem do próprio Temer, que está agindo como se já governasse o Brasil. Temer está furioso com o que ele considera uma mudança radical e altamente desfavorável na narrativa internacional, que tem retratado o impeachment como uma tentativa ilegal e anti-democrática da oposição, liderada por ele, para ganhar o poder de forma ilegítima.
O pretenso presidente enviou Nunes para Washington, segundo a Folha, para lançar uma “contraofensiva de relações públicas” e combater o aumento do sentimento anti-impeachment ao redor do mundo, o qual Temer afirma estar “desmoraliz[ando] as instituições brasileiras”. Demonstrando preocupação sobre a crescente percepção da tentativa da oposição brasileira de remover Dilma, Nunes disse, em Washington, “vamos explicar que o Brasil não é uma república de bananas”. Um representante de Temer afirmou que essa percepção “contamina a imagem do Brasil no exterior”.
“É uma viagem de relações públicas”, afirma Maurício Santoro, professor de ciências políticas da UFRJ, em entrevista ao The Intercept. “O desafio mais importante que Aloysio enfrenta não é o governo americano, mas a opinião pública dos EUA. É aí que a oposição está perdendo a batalha”.
Não há dúvida de que a opinião internacional se voltou contra o movimento dos partidos de oposição favoráveis ao impeachment no Brasil. Onde, apenas um mês atrás, os veículos de comunicação da mídia internacional descreviam os protestos contra o governo nas ruas de forma gloriosa, os mesmos veículos agora destacam diariamente o fato de que os motivos legais para o impeachment são, no melhor dos casos, duvidosos, e que os líderes do impeachment estão bem mais envolvidos com a corrupção do que Dilma.
Temer, em particular, estava abertamente preocupado e furioso com adenúncia do impeachment pela Organização de Estados Americanos, apoiada pelo Estados Unidos, cujo secretário-geral, Luis Almagro, disse que estava “preocupado com [a] credibilidade de alguns daqueles que julgarão e decidirão o processo” contra Dilma. “Não há nenhum fundamento para avançar em um processo de impeachment [contra Dilma], definitivamente não”.
O chefe da União das Nações Sul-Americanas, Ernesto Samper, da mesma forma, disseque o impeachment é “um motivo de séria preocupação para a segurança jurídica do Brasil e da região”.
A viagem para Washington dessa figura principal da oposição, envolvida em corrupção, um dia após a Câmara ter votado pelo impeachment de Dilma, levantará, no mínimo, dúvidas sobre a postura dos Estados Unidos em relação à remoção da presidente. Certamente, irá alimentar preocupações na esquerda brasileira sobre o papel dos Estados Unidos na instabilidade em seu país. E isso revela muito sobre as dinâmicas não debatidas que comandam o impeachment, incluindo o desejo de aproximar o Brasil dos EUA e torná-lo mais flexível diante dos interesses das empresas internacionais e de medidas de austeridade, em detrimento da agenda política que eleitores brasileiros abraçaram durante quatro eleições seguidas.
ATUALIZAÇÃO: Antes desta publicação, o gabinete do Sen. Nunes informou ao The Intercept que não tinha mais informações sobre a viagem dele à Washington, além do que estava escrito no comunicado de imprensa, que data de 15 de abril. Subsequente à publicação, o gabinete do Senador nos indicou informação publicada no Painel do Leitor (Folha de S. Paulo, 17.04.2016) onde Nunes afirma — ao contrário da reportagem do jornal — que a ligação do vice-presidente Temer não foi o motivo para sua viagem a Washington.
Traduzido por: Beatriz Felix, Patricia Machado e Erick Dau

domingo, 17 de abril de 2016

Por trás do golpe

O processo de impeachment que vai ser votado hoje (17/04/2016) deve ser visto de maneira bem mais complexa do que muitos analisam. Além de ser um golpe contra a Constituição Federal, que determina que o processo de impedimento do chefe do executivo só se dará por crime de responsabilidade, também será um golpe contra avanços sociais conquistados à duras penas pela sociedade civil brasileira. O programa chamado "Ponte para o Futuro", que a coligação comandada por Michel Temer, lançou em seu site, prevê a terceirização da relação de emprego que na prática sepulta os direitos trabalhistas, prevê o fim da valorização do salário mínimo, acabando com o poder de compra do trabalhador. Em seu funesto texto, o plano prevê ainda o fim do SUS, a entrega do pré sal para a exploração das petrolíferas estrangeiras e a total submissão aos interesses das grandes potências mundiais. A presidenta Dilma Rousseff não é acusada de nenhum crime e se notabilizou por projetos de combate à corrupção. Já seus algozes são réus em investigações escandalosas, tem contas na Suíça e biografia imunda. A classe média que acha que comprar discurso da classe dominante lhe torna um igual, irá se sentir traída e arrependida, ao constatar que foi mera massa de manobra e literalmente fodida! #NaoVaiTerGolpe

domingo, 10 de abril de 2016

Entendendo a ilegalidade do impeachment: vídeo em 5 passos

Elucidativo vídeo da professora Liana Cirne Lins, sobre o processo de impedimento contra a Presidenta Dilma. Com argumentos técnicos e racionais mostra o quanto o processo, da maneira que foi instaurado, não encontra respaldo no ordenamento jurídico brasileiro.
#naovaitergolpe 



sábado, 9 de abril de 2016

Musicais

Não tenho paciência com musicais. Talvez um ou dois musicais me convenceram. Aqueles em que a música faz parte do contexto do enredo me soam mais naturais e mais agradáveis. The Wall, baseado na obra do Pink Floyd e dirigido por Alan Park é uma das exceções. Perturbador e profundo, é um filme célebre.

Mas a maioria dos filmes musicais me soam maçantes, chatos e forçados. A estética da Broadway utilizada na maioria dos filmes me soa muito artificial, de plástico, quase como um sanduíche do Mac Donalds.

Filmes famosos como Jesus Cristo Super Star e Cantando na Chuva nunca me atraíram. Até filmes musicais de diretores que gosto muito, como Martin Scorsese, Tim Burton e Woody Allen não me agradaram. 
Acho muito estranho ver os diálogos entrecortados por números de canto e dança. Tenho a sensação incômoda de que a história é forçada e não se sustenta. Talvez fico frustado por não poder presenciar uma cena de um musical na vida cotidiana.

Em situações cotidianas da vida eu imagino sempre as pessoas parando e todos cantando e dançando de supetão, sem aviso e abruptamente, e como se nada tivesse acontecido voltarem para seus afazeres.

Fico imaginando como seria, em uma audiência trabalhista pesada, onde após o juiz ouvir várias testemunhas, subisse na mesa e começasse a cantar e dançar Ain't got no ... i've got live da Nina Simone, o escrivão transformasse o teclado do computador em um piano, as testemunhas virassem backing vocals, os advogados em instrumentistas e as partes da ação em dançarinos! Depois do juiz cantar a todos pulmões, versos como "I got my hair, got my head, Got my brains, got my ears, Got my eyes, got my nose, Got my mouth, I got my...I got myself" e de dançar alucinadamente com o escrivão, autor, réu, testemunhas, voltarem normalmente para seus lugares e o juiz decretar o fim da audiência, como se nada tivesse acontecido. 



segunda-feira, 4 de abril de 2016

Sugestão de Blog - Precisamos conversar

Precisamos Conversar é um blog redigido apenas por mulheres. Em seus dois primeiros textos, abordou temas tabus e necessários de serem discutidos. Com clareza e assertividade, tocaram em temas espinhosos, o estupro marital e o racismo como forma grosseira de pseudo-humor.

Parabéns para as autoras dos primeiros textos do blog (Marianne e Pâmela) , que se dispuseram a escrever sobre questões tão críticas em nossa sociedade patriarcal e machista.

Que venham mais textos tão bom quantos esses! Vida longa ao Precisamos Conversar!