Ministério da Cultura: Contaminado pela ideologia, Temer decidiu rasgar dinheiro
Publicado originalmente em www.viomundo.com.br
Quanto menos
competição e menos alternativas, mais eles agradecem
por Luiz
Carlos Azenha
Foram quase 15 anos de uma direita desinformada, provinciana e
antinacional denunciando a Lei Rouanet como a medusa financiadora do
esquerdismo e dos, na palavra de um dos ministros recém-escolhidos por Michel
Temer, “esquerdopatas”. A lei passou a ser simbólica do Ministério da Cultura.
1. A desinformação começa pelo fato de que a Lei nº 8.313,
de 23 de dezembro de 1991, é do governo de Fernando Collor de Mello.
2. Continua quando se lista dentre aqueles que se beneficiaram
das isenções fiscais oferecidas por ela, direta
ou indiretamente —
conforme descreveu Renato Rovai a partir de um breve
levantamento — gente que está longe de ser esquerdista:
O Instituto Fernando Henrique
Cardoso (iFHC) e a Fundação iFHC captaram um total de mais de R$ 14 milhões
para realização de três projetos.
O mais recente, “Fundos
Documentais do Acervo Presidente FHC: descrição e difusão”, teve aprovação para
captação de mais de R$ 6,2 milhões e realizou captação de R$ 2,2 milhões.
A Fundação Roberto Marinho é um
dos maiores captadores da história da Lei Rouanet. Ela teve quarenta projetos
propostos pela instituição e realizou captação total de mais de R$ 178 milhões.
Atualmente, a Fundação tem um
projeto aprovado para captação: “CAZUZA mostra sua cara – itinerância”, no
valor de R$ 2,7 milhões.
Por meio da empresa Moeller
& Botelho Produções Artísticas Ltda, o diretor Claudio Botelho, que
recentemente brigou com a platéia por atacar Dilma Rousseff num espetáculo em
homenagem a Chico Buarque, realizou quatro projetos, num total de mais de R$ 20
milhões aprovados e R$ 8 milhões efetivamente captados.
Claudio Botelho ainda consta na
ficha técnica de no mínimo outros 24 projetos incentivados pela Lei Rouanet,
somando uma aprovação de quase R$ 74 milhões e captação de quase R$ 45 milhões.
Atualmente, há três projetos da
Moeller & Botelho Produções Artísticas Ltda aprovados para captação,
somando autorização de mais de R$ 16 milhões.
O Jota Quest, outro grupo que
adora atacar o governo e a presidenta da República, está envolvido em sete
projetos apresentados à Rouanet. “No Estúdio com o Jota Quest” realizou
captação de R$ 1,4 milhão. E o “Turnê Jota Quest 20 anos”, de mais de R$ 3
milhões, está em processo de análise.
O ator Marcelo Serrado,
militante pró-impeachment, está envolvido em três projetos apresentados à
Rouanet. “É o que temos pra hoje!” realizou captação de R$ 478 mil. “Vilões de
Shakespeare” está autorizado a captar quase R$ 800 mil.
Juliana Paes, outra militante
anti-governo, vai estrelar o espetáculo “Garota de Ipanema, O Musical”, da
Aventura Entretenimento Ltda., que captou R$ 6,4 milhões.
Susana Vieira está na ficha
técnica do projeto “Looped”, da Escola de Atores Wolf Maya Ltda, autorizado a
captar R$ 890 mil.
Marcio Garcia está na ficha técnica do projeto “Audiolivro
Narizinho Arrebitado, de Monteiro Lobato”, autorizado a captar R$ 740 mil.
3. A ignorância prossegue quando os neoliberais tardios demonstram
profundo desconhecimento sobre a imbricação entre Estado e cultura no
mundo.
Eles não sabem, por exemplo, como surgiu o domínio dos Estados
Unidos no cinema. Stuart Klawans, no New York Times, resumiu: “Os grandes ganhadores da Primeira Guerra
no cinema, como em tudo o mais, foram os Estados Unidos. Entre os combatentes,
emergiram como a única sociedade com a economia intacta. Uma consequência
imediata foi o domínio de Hollywood sobre as telas de todo o mundo. Conquistou
os mercados dos quais a França foi obrigada a se retirar; contratou o talento —
ou ofereceu refúgio — aos melhores da UFA [o estúdio alemão]. Quando você ouve
executivos dizerem que Hollywood foi bem sucedida porque dá ao povo o que ele
quer, talvez deva pensar nos nomes: Ypres, Verdun, Passchendaele”.
São campos de batalha da guerra.
Isso significa que bem cedo os estúdios de Hollywood atingiram a
escala necessária para não depender de injeção direta de dinheiro público, mas
nunca abriram mão de imensos favores legislativos em Washington.
É de arrepiar os neoliberais tacanhos, mas aconteceu: o Estado
norte-americano interferiu diretamente na produção de conteúdo de Hollywood
durante a Segunda Guerra Mundial, criando o Office of War Information — Bureau
of Motion Pictures (BMP). Além de trabalhar com a indústria na definição de
roteiros, o BMP fazia uma espécie de censura prévia nos filmes que seriam
rodados, para adequá-los às necessidades da propaganda oficial.
Isso destrói completamente o sonho dos liberais brasileiros de
que Hollywood se desenvolveu às custas da mão invisível do mercado.
Até hoje, quando não deveria precisar mais disso, a indústria do
cinema recebe subsídios nos Estados Unidos através de isenção fiscal!
Aqui não falo de ouvir dizer, mas de ter testemunhado
pessoalmente enquanto vivia lá: deflagrou-se uma guerra fiscal dos estados para
atrair produções de TV e de cinema através do que é conhecido como Motion
Picture Incentives.
Exemplos: Arkansas devolvia 100% dos impostos cobrados na compra
de propriedade e serviços a quem investisse mais de U$ 1 milhão no estado num
período de um ano; Utah dava isenção de impostos na compra, leasing ou aluguel
de maquinaria ou equipamento usado na produção de cinema; o Tennessee devolvia
até 500 mil dólares em impostos nas compras locais de bens e serviços. Quase
todos os estados norte-americanos dispõem de incentivos para a indústria da TV
e do cinema.
Isso é interferência estatal direta!
Mas, qual a lógica de fazer isso, se a indústria já é riquíssima
e os estados precisam arrecadar para cobrir outros gastos em tempos de crise?
É a lógica capitalista que os supostos capitalistas brasileiros,
entorpecidos pela ideologia, parecem desconhecer: criar uma indústria regional
de cinema e TV gera empregos, desenvolve talentos, preserva e promove a cultura
local. Hollywood agradece: com a queda dos custos de produção, pode ocupar o
mercado mundial com o seu tradicional dumping.
Se uma emissora de TV da África do Sul ou do Brasil quer comprar
aquela megaprodução específica, leva junto um pacote de filmes B, muitos dos
quais produzidos com baixo custo em locações que oferecem vantagens econômicas.
Regionalizar a produção cultural, torná-la representativa de
nossa diversidade, criar novas oportunidades de emprego e negócios — foi a
mesma lógica que orientou algumas das ações do Ministério da Cultura nos
governos Lula e Dilma.
No Brasil, hoje, só a TV Globo e a TV Record são capazes de
acumular capital próprio para gerar conteúdo competitivo no mercado
internacional.
É por isso que não faz sentido desmantelar o Ministério da
Cultura justamente na era digital, quando a indústria de entretenimento
ganha escala planetária e o Brasil tem potencial imenso, especialmente na
música, no cinema e nas manifestações culturais associadas ao Turismo.
Ah, sim, sabe qual o outro motivo para justificar a isenção
fiscal dada aos produtores de vídeo e cinema nos Estados Unidos?
Mesmo que indiretamente, os incentivos acabam promovendo o
Turismo!
O filme rodado em Baton Rouge é uma poderosa forma de propaganda
do estado da Louisiana, como qualquer pessoa pode constatar quando tenta
associar bairros de Nova York, Paris, Roma ou Rio de Janeiro a imagens que viu
nas salas de cinema, na HBO ou no Netflix.
Aqui, nos resumimos a tratar de Cultura do ponto-de-vista
simplório dos coxinhas,
obcecados pelo retorno financeiro imediato.
Não é mentirosa a informação que está circulando nas redes
sociais: um estudo do governo francês constatou que as atividades culturais
geraram 3,2% do PIB do país em 2013, sete vezes mais que a indústria
automobilística.
Do ponto-de-vista do capitalismo, Entretenimento e Turismo são
indústrias que hoje experimentam crescimento explosivo. Reduzir a capacidade de
formulação de políticas públicas no setor, logo agora, é desastroso.
Detonar o Ministério da Cultura não demonstra apenas
provincianismo, falta de visão e preconceito ideológico contra supostos
“esquerdopatas”, como Fernando Henrique Cardoso, a Fundação Roberto Marinho e
Juliana Paes.
Significa que Michel Temer pretende rasgar dinheiro.
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