segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Pós Golpe - Que acontecerá com os que foram socialmente incluídos?

Pós Golpe - Que acontecerá com os que foram socialmente incluídos?


Em Leitura a um capítulo da excelente série de artigos O Xadrez do Golpe, escrita pelo Luis Nassif, o autor faz uma pertinente indagação ao final do capítulo:

"2.     Ascensão social

O que ocorrerá com essa multidão que ascendeu socialmente, que conquistou comida na mesa e filhos nas universidades? Aceitará passivamente o recuo para as profundezas da miséria? É evidente que não, o que acarretará distúrbios populares cada vez mais intensos."

Pertinente tal proposição. É notório a grande ascensão social nos anos seguintes à vigência da Constituição de 1988, aprofundada com os governos Lula e Dilma. De acordo com Nassif, uma das principais finalidades do Golpe foi justamente acabar com o Estado Social que a Constituição tentou implantar no país e que timidamente se consolidava.
Um grande contingente populacional foi minimamente incluído socialmente. De maneira massiva, várias famílias tiveram acesso à melhor alimentação, ao ensino formal (inclusive universitário) e principalmente ao consumo. Uma das principais políticas públicas dos governos petistas foi justamente consolidar um mercado consumidor interno distribuindo renda e facilitando o acesso ao crédito para a população, além de programas de popularização ao ensino, seja técnico (PRONATEC), seja universitário (PROUNI, ampliação do FIES e cotas).
Muitos críticos à esquerda dos governos petistas alegam que essa inclusão se deu de maneira despolitizada, sendo que tal crítica teve mais peso com o golpe, visto que os socialmente incluídos não defenderam a presidenta golpeada. Grande parte dos que diretamente foram beneficiados por tais medidas, simplesmente repetiam o discurso propalado pela classe dominante e pela mídia hegemônica. 
A ausência de politização da inclusão social foi realmente um fato. André Singer, ex porta voz do presidente Lula já falava do esgotamento desse modelo de inclusão social sem mudanças sociais estruturais e sem politização. Em longo estudo, fala que o modelo estaria esgotado com a crise econômica. Para ele, o Lulismo, seria um modelo de distribuição de renda conciliatória, sem retirar os lucros das classes dominantes. O autor faz longa análise em obra intitulada " Os Sentidos do Lulismo".

Porém, deve se recordar que antes do chamado Lulismo, e principalmente, antes da Constituição de 1988, no país existia uma grande legião de excluídos. Fome, trabalho semi escravo e escravo, desnutrição infantil, altos índices de analfabetismo. Grande parte da população ainda sentia na pele a herança de um país com três séculos e escravidão.
Nesse sentido, mesmo que de uma maneira massiva e despolitizada, ou mesmo conservadora, existe uma geração que foi incluída socialmente. Diferente de seus pais, tal geração sempre teve como citou Nassif, mesa farta e acesso às universidades. A geração anterior se sujeitava ao sub emprego, à alimentação precária, à inacessibilidade ao consumo.Ainda estavam presos à mentalidade escravocrata reinante no país. Se o patrão não cumpria todas as regras trabalhistas não tinha problema, visto que para grande parte dessa geração, o patrão já era bondoso de lhe conceder um emprego que gerava a parca subsistência.
Já os que nasceram sob a égide do Lulismo não sabem que é fome, que é sub emprego. De maneira bem ilustrativa, são as Jéssicas do filme "Que Horas Ela Volta?" , não mais aceitam dormir no quartinho apertado e claustrofóbico da empregada. Querem entrar na faculdade igual ao filho do patrão.  

Com o golpe e o desmonte das garantias estabelecidas pela CF/88, esse grande contingente de incluídos, não farão mais parte do pacto social. A emenda Constitucional que limitou os gastos fulmina com o espírito inclusivo da constituição, consequentemente deixando de proteger as classes socais mais vulneráveis. Grande parte da chamada nova classe média estará sujeita ao retorno para miséria. 
As gerações anteriores se sujeitaram a exclusão. Não sei se a geração atual se sujeitará. Mesmo que tal inclusão seja superficial e sem romper com certas estruturas. Ao mesmo tempo tal inclusão foi subversiva, pois trouxe várias pessoas para dentro da sociedade.
Dentro das universidades hoje em dia se encontram negros, indígenas, glbts, estudantes de periferia. Tais pessoas ingressaram em cargos públicos através de concursos e em empregos melhores que seus pais por terem ensino formal. Essas pessoas não serão mais contempladas com políticas públicas.

As medidas recessivas estabelecidas pós golpe levarão grande parte da população para  a margem da sociedade. Aí que mora o perigo. Como essa população irá reagir? Não creio que de maneira passiva. Talvez não de maneira politicamente politizada e com estratégias para mudar a situação. Mas talvez de maneira violenta e caótica, quando se virem alijados da sociedade, marginalizados e vistos como exército de mão de obra barata, não aceitarão tal papel. Aí o país poderá se transformar em um verdadeiro caos.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

PEC 55/241 Aprovada, Constituição Rasgada

Noticia o sítio do El país Brasil:

 PEC 55 é aprovada em segundo turno pelo Senado

Projeto que estabelece teto para os gastos públicos deverá agora ser sancionado por Temer.

Uma satisfação agridoce


 Uma satisfação agridoce


No crepúsculo do ano,
com as brumas de dezembro.
Voltando de um antro puritano
com o tempo me assombro.

Dei duas voltas ao mundo,
mas não sai do lugar.
Em meus pensamentos me afundo.
Com tantos verbos a conjugar.

As luzes do natal iluminam
o meu tédio histórico.
Comerciais me azucrinam.
Só me resta o meu traço amétrico.


sábado, 3 de dezembro de 2016

Pink Floyd – The Early Years 1967-72 Cre/ation (2016)

Pink Floyd – The Early Years 1967-72 Cre/ation (2016)

Compilação de sons inéditos, versões ao vivo e demos lançados pelo Pink Floyd entre 1967 e 1972. Material para fã, confere aí!


Faixas do álbum:

Disco 1
  1. Arnold Layne
  2. See Emily Play
  3. Matilda Mother (2010 Remix)
  4. Jugband Blues (2010 Remix)
  5. Paintbox
  6. Flaming (BBC Radio Session, 25 September 1967)
  7. In the Beechwoods (2010 Mix)
  8. Point Me at the Sky
  9. Careful with That Axe, Eugene (single ‘B’ Side version)
  10. Embryo (from Harvest Records sampler ‘Picnic’)
  11. US Radio ad for Ummagumma
  12. Grantchester Meadows (BBC Radio Session, 12 May 1969)
  13. Cymbaline (BBC Radio Session, 12 May 1969)
  14. Interstellar Overdrive (Live, Paradiso, Amsterdam, August 1969)
  15. Green Is the Colour (BBC Radio Session, 12 May 1969)
  16. Careful with That Axe, Eugene (BBC Radio Session, 12 May 1969)

Disco 2
  1. On the Highway (Zabriskie Point remix)
  2. Auto Scene Version 2 (Zabriskie Point remix)
  3. The Riot Scene (Zabriskie Point remix)
  4. Looking at Map (Zabriskie Point remix)
  5. Take Off (Zabriskie Point remix)
  6. Embryo (Alternative Version) (BBC Radio Session, 16 July 1970)
  7. Atom Heart Mother (Live Montreux, 21 Nov 1970) (Band only)
  8. Nothing, Part 14
  9. Childhood’s End (2016 remix)
  10. Free Four (2016 remix)
  11. Stay (2016 remix)

LINK – The Early Years 1967-72 Cre/ation (2016) – Disco 1
LINK – The Early Years 1967-72 Cre/ation (2016) – Disco 2


sábado, 26 de novembro de 2016

O Mito Fidel - Monstro ou Gênio

O Mito Fidel - Monstro ou Gênio


Os veículos de comunicação noticiam que Fidel Castro Ruz faleceu aos seus 90 anos. O portal uol noticiou:
O ex-presidente de Cuba Fidel Castro morreu aos 90 anos de idade, informou neste sábado (26) seu irmão, o atual mandatário do país, Raúl Castro, em um discurso transmitido pela televisão estatal.

O líder histórico da Revolução Cubana faleceu na noite de sexta-feira (25), às 22h29 (hora local), e seu corpo será cremado "atendendo sua vontade expressa", explicou Raúl Castro, visivelmente emocionado.

O presidente cubano afirmou que, nas próximas horas, será anunciado como acontecerá o funeral de Fidel Castro, que foi visto pela última vez no último dia 15, quando recebeu em sua residência o presidente do Vietnã, Tran Dai Quang

Não se pode negar a importância de Fidel Castro na história contemporânea. Líder de uma revolução no quintal dos EUA deu início a um regime em 1959 em Cuba e persiste até hoje sob liderança de seu irmão Raúl.
Tornou-se símbolo para muitos na esquerda, como alguém que desafiou o império, erradicou o analfabetismo e a fome em seu país. Por outro lado, principalmente entre os partidários da direita, mas também entre alguns dissidentes da esquerda cubana, Fidel se tornou um ditador sanguinário, assassino e perseguidor implacável dos inimigos do regime castrista.
Creio que as duas visões são simplistas e incompletas. É impossível julgar Fidel sem analisar o contesto histórico e humano de uma figura tão complexa como ele.
A Revolução Cubana destituiu do poder um governo ditatorial comandado por Fulgêncio Batista. De acordo com o site
 http://mortenahistoria.blogspot.com.br/ Fulgêncio foi: 
ex-presidente de Cuba de 1933 a 1940 e o presidente oficial do país de 1940 a 1944 e novamente de 1952 a 1959, como ditador. No primeiro período de seu governo entre 1933 e 1944, exerceu um governo forte. Batista consolidou o seu poder concentrando em si todas as nomeações para os cargos públicos. Durante o primeiro mandato de Batista, Cuba cooperou na Segunda Guerra Mundial com os aliados e declarou guerra ao Japão, Alemanha e Itália. Em março de 1952 regressou ao poder, novamente mediante um golpe militar. Passou então a governar como um verdadeiro ditador, contando com o reconhecimento diplomático e apoio militar dos Estados Unidos. Instaurou um regime autoritário, mandando prender os seus opositores e restringindo as liberdades através do controle da imprensa, da universidade e do congresso, usando métodos terroristas e fazendo fortuna para si e para seus aliados
Batista governou com mão de ferro transformando Cuba em um verdadeiro Cabaré dos EUA. Cuba antes da Revolução não era um país democrático. A pobreza, concentração de renda e desmandos de Fulgêncio oprimiam de maneira dura a ilha.
Nesse sentido a Revolução Cubana retirou do poder uma ditadura severa e que estava no poder apenas porque os EUA a apoiava e em troca Fulgêncio garantia todos os interesses do Grande Império.
Deve ser ressaltado que o regime castrista se deu em meio a Guerra Fria, onde as relações geopolíticas se encontravam extremamente polarizadas entre as duas potências então existentes, a Capitalista Estadunidense e os Socialistas Soviéticos.
Os EUA não aceitaram de maneira alguma que seu ditador fosse deposto. Fidel em um primeiro momento não se alinhou a União Soviética. Seus planos eram estabelecer um governo nacionalista, porém não socialista. Como os EUA fizeram várias retaliações diretas ao regime implantado com a Revolução, Fidel se viu acuado e sem alternativa.
Assim, depois de tentativa de invasão americana no episódio em que ficou conhecido com Invasão à Baia dos Porcos,
Conhecida em espanhol pelo nome de "La Batalla de Girón em Cuba", a Invasão da Baía dos Porcos ocorreu quando um contingente de exilados cubanos contrários a Fidel Castro, organizados pelos EUA, tentaram invadir a região sul de Cuba. Este episódio ocorreu no ano de 1961 e os exilados de Cuba foram apoiados pelo exército norteamericano e tiveram treinamento de agentes da CIA (Central Intelligence Agency). O objetivo era depor o governo socialista que tinha se instalado após a Revolução Cubana e derrubar Fidel Castro.( http://www.infoescola.com/historia/invasao-da-baia-dos-porcos/)
 e de um embargo comercial que durou até o Governo Obama, que impediu que todos os países aliados aos EUA (todos países capitalistas), o Governo Cubano se viu obrigado a se aliar aos soviéticos. Em uma época polarizada, tal comportamento aumentou ainda mais a animosidade entre os EUA e o Regime Cubano implantado por Fidel Castro.
 O Regime cubano passou por várias retaliações estadunidenses, porém conseguiu persistir. Fidel sofreu dezenas de tentativas de assassinato e várias sabatagens patrocinadas pelos EUA.

Fidel Castro esteve na mira dos Estados Unidos por décadas
De rifles de alta potência até comprimidos envenenados, passando por canetas tóxicas e a contratação de assassinos profissionais, estes foram alguns dos métodos que teriam sido utilizados pelos Estados Unidos na tentativa de se livrar de Fidel Castro, o líder cubano, incômodo à política americana de ampliação da influência que exercia na região.
Nas últimas décadas, as tentativas de assassinato de Fidel vêm sendo objeto de análises e especulações. O fato de que algumas dessas tentativas ainda permanecerem sem comprovação só colabora para fortalecer ainda mais a imagem heróica de Fidel, que como líder de uma pequena e frágil república caribenha, se opôs com ferrenha determinação ao vizinho gigante e todo poderoso do norte.
Um dos homens que teve a missão de cuidar da segurança de Fidel Castro durante anos, o ex-chefe do serviço secreto cubano Fabián Escalante, escreveu um livro no qual detalha 634 maneiras usadas pelos adversários de Fidel na esperança de assassiná-lo.
Dessa forma, cada vez mais paranoico o líder cubano se tornou. Para manter a soberania cubana frente a constante sabotagem yanke, o Comandante recrudesceu seu governo. Certamente cometeu exageros e abusos aos Direitos Humanos. Porém a Revolução Cubana conseguiu persistir e avançar, deixando de ser um mero quintal dos Estados Unidos.
Erradicou a pobreza, o analfabetismo, consolidou a medicina cubana como uma das mais avançadas do mundo e ainda enviou médicos cubanos para várias expedições humanitárias. Por outro lado, a liberdade de expressão da população sofreu restrições, direitos de locomoção também, liberdade política e outras liberdades civis não eram plenas da ilha.

Ao contrariar os interesses do Império Yanke, foi duramente perseguido e isolado. Para se manter de pé se aliou à União Soviética para conseguir apoio. Radicalizou a repressão e certamente cometeu abusos. Porém como julgá-lo?
Fidel é um símbolo. A direita radical é obcecada por Cuba. Parte da esquerda é encantada. Uma pequena ilha que se levantou contra os interesses imperiais dos EUA. Erradicou a pobreza, porém sua sociedade está longe de uma sociedade ideal. Pouca liberdade, restrições de ir e vir dos cidadãos, baixo desenvolvimento econômico. Cuba e as ações de Fidel não podem ser vista sem o contexto da história e da Guerra Fria.
Fidel, nem monstro nem Monstro nem Gênio, mas sim o líder possível para uma revolução cubana em meio à Guerra Fria, que marcou seu nome na história.

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

O golpe e o asco da família tradicional branca ao não convencional.

O golpe e o asco da família tradicional branca ao não convencional.

O país atravessa a maior crise institucional desde a redemocratização. Depois de um processo de impeachment considerado por renomados juristas como golpe, o país mergulha em uma crise política e econômica que turva o futuro do país. Mais de 54 milhões de votos foram desconsiderados e uma presidenta eleita foi deposta. A ascensão do país como uma das maiores economias, uma das maiores reservas energéticas do mundo, com vastas áreas agricutáveis e grande mercado consumidor interno, corre grande riscos. 

A nação encontra sobre um governo ilegítimo, com reformas recessivas que não foram legitimadas em eleições, cada dia mais sem rumo. Escolas estaduais ocupadas, greves de universidades federais, manifestações, o país encontra-se em grande ebulição. Mesmo que os grandes meios de comunicação não noticiem de maneira substancial os protestos contra o Governo Temer e suas medidas regressivas, o país está fervendo.
Antes de deposição da representante do executivo eleita democraticamente eleita, um grande descontentamento social da chamada classe média ajudou à consolidação do golpe. Mesmo tendo favorecido a classe médica com aumento de concursos públicos e valorização da carreira de servidores públicos, diminuído à níveis históricos o desemprego, aumentando o poder de consumo, o grau de insatisfação em relação ao governo da presidenta Dilma e seu Partido dos Trabalhadores atingiu altos patamares, chegando ao ponto de se tornar para alguns, verdadeiro ódio. Assim, muitos questionam o fato de que nos governos petistas, a classe média ter conseguido avanços em seus direitos e mesmo assim reprovar veemente tais governos.

É notório que a chamada grande mídia corporativa contribuiu para tal percepção. Cobertura distorcida e desonesta, certamente ajudou a gerar tal rejeição. Fora os erros de tais governos, seja de sua incapacidade de se comunicar com a classe média e mostrar os vários avanços, seu envolvimento com ações no mínimo nebulosas do ponto de vista ético, ou com as últimas decisões do governo Dilma de que, mesmo que momentaneamente, adotar medidas governamentais de cunho neoliberais, contrariando seu programa apresentado na eleição, dando a impressão de fraude eleitoral.
Porém, em que pese o fato de tais argumentos serem consideráveis, as forças que moveram o golpe, souberam utilizar certos sentimentos da classe média para legitimar a tomada do poder. Com intuito de acabar com o arremedo de Estado de Bem Estar Social brasileiro buscado pela Constituição de 88 e garantir ao capital especulativo a continuidade de seus lucros estratosféricos, além de tirar os recursos do pré-sal das mãos do Estado Brasileiro, os golpistas souberam usar o medo da classe média.
Os governos petistas governaram conciliando interesses do grande capital com distribuição de renda, fortalecimento do mercado interno, inclusão social e da soberania nacional. O grande capital lucrou como nunca, mas tais governos conseguiram incluir na sociedade um grande percentual antes marginalizados. Porém a crise de 2008 que atacou em cheio o primeiro mundo e em 2014 chegou ao Brasil, não possibilitava mais tal conciliação. O grande capital não queria arriscar mais com um governo progressista e tramou a apeada do poder da presidenta eleita.
Assim, viram que fomentar o ódio da classe média seria uma maneira de deslegitimar a governante eleita. 
A inclusão social dos últimos 13 anos mudou claramente a sociedade brasileira. Debates sobre Direitos Humanos, igualdade de gênero, combate o racismo, combate à homofobia, trouxeram polêmicas escanteadas para baixo do pano por muitos anos.
As universidades passaram a receber uma legião de excluídos. Os aeroportos passaram a ser frequentados por pessoas que nunca imaginaram ter acesso ao transporte aéreo. Shoppings Centers passaram a ficar lotados de pessoas da periferia (os famosos rolezinhos). O Presidente Lula certa vez disse, com sua habitual capacidade de perceber as coisas, que a madame ficava contrariada em saber que a "sua" doméstica usava o mesmo perfume que ela.
Em uma escola ocupada na periferia de Uberlândia/MG, tive a oportunidade de conversar com uma universitária do curso de psicologia que estava dando apoio à ocupação. A moça inicialmente me contou sobre como estava dando suporte emocional aos secundaristas. Moça de cor parda, obesa e com cabelo diferente do padrão da classe média tradicional, me contou um pouco de sua vida. A meu ver revela muito sobre o que passa o país. Cotista de escola pública, estudou em escola estadual de periferia por toda sua vida escolar. Lamentou que outros de seus colegas da escola pública não tiveram a mesma oportunidade de que ela, mas que o que para a geração de seus pais era impossível, para ela foi alcançado, ingressar em um curso disputado da Universidade Federal.

Relatou que quando adolescente, se descobriu atraída por meninos e meninas e que isso lhe causou um grande sentimento de culpa e angústia que por anos atormentou sua vida. Que vinda de uma família de tios pastores neo pentecostais, sofreu bastante discriminação familiar ao não se enquadrar no padrão de mulher submissa imposto pela sociedade conservadora. Também se sentiu discriminada pelo próprio movimento LGBT ao se assumir bissexual. Dentro da universidade, sempre se sentiu deslocada. Contou que luta para que os grupos de estudos da universidade possam fazer orientação nas escolas, pois os adolescentes têm várias angústias sobre sua sexualidade.
Assim, ao conversar com uma menina bissexual, obesa, parda e independente, cursando um curso superior, antes destinado apenas para as elites brancas, supostamente heterossexuais, conservadora e cristã, notei o quanto o Brasil mudou nos últimos anos.
A classe média branca, heterossexual, conservadora e cristã teve agora que conviver em mesmos espaços com pessoas que antes eram trancadas em armários ou em senzalas. Antes dos anos lulistas que abriram uma fresta para que os excluídos fossem aceitos no baile, era comum e aceito pela grande massa do precariado, que o destino lhes tinham reservado a semi escravidão e a sujeição submissa aos seus patrões. Hoje, os jovens que ascenderam nos últimos anos não aceitarão mais trabalhar como escravos ou se sujeitarem à padrões conservadores impostos unilateralmente pela sociedade. 

A classe média, que se via em seus retratos de família como uma família de comercial de margarina, se viu totalmente assustada ao saber que sua prole estará em contato com o que não é espelho, como muito bem descrito MARIA BITARELLO no artigo do excelente site outraspalavras.net, que transcrevo abaixo:
  

POR 
– ON 01/11/2016CATEGORIAS: BRASILCOMPORTAMENTODESTAQUESSOCIEDADE


Vive de aparências e acha isso chique. E se tudo isso te parece apenas medíocre e inofensivo, não se engane: há garras e dentes. Pois é nela que é feita a engorda do ódio. É ela que legitima atrocidades
Por Maria Bitarello
Há uns anos ouvi um podcast de rádio americana, não me lembro mais qual, em que o entrevistado daquele dia dizia que o fator determinante da pobreza – econômica, não de espírito – é a possibilidade de escolha. O pobre, dizia o entrevistado que também o era, muito mais do que carecer de coisas, pertences, bens, é privado de escolhas, de alternativas. E, salvo as exceções que sempre existem, a vida lhe impõe um caminho, muitas vezes sem bifurcações no percurso. O que o dinheiro compra, portanto, segundo o tal entrevistado, são escolhas. Fiquei pensando sobre isso muito tempo. Claro que se trata de uma dentre tantas formas possíveis de interpretação e que, de certo, é limitada. Mas vamos seguir nessa via, limitada que seja. Porque acho que ela traz insights.
De acordo com esse raciocínio de pobreza, por menor que possa ser minha identificação com essa classe amorfa chamada de média, de fato, é dela que eu vim. Eu cresci num lar de classe média. Tive oportunidades de escolhas. Muitas. Como a de ter uma infância e crescer na hora em que estava pronta pra crescer; a de estudar, o que e onde fazê-lo; as de viajar, trabalhar, aprender línguas, música, esportes, conhecer culturas diferentes, ser exposta à leitura, às artes; a de votar; a de não virar, cedo demais, nem esposa nem mãe; a de me relacionar com quem meu coração eleger; a de mudar de ideia, voltar atrás, andar pra frente, jogar tudo pro alto e começar de novo; a de viver da forma que é verdadeira pra mim. E isso é ouro. Alguns diriam que não tem preço, mas se isso fosse verdade, todos teriam um pouquinho pra si. O que sabemos não ser o caso.
As escolhas às quais tive acesso não estão disponíveis a todos e me foram concedidas, em grandíssima medida, devido à classe social à qual pertenço. Eu as tive porque outra pessoa não as teve. É uma lei básica e pervesa do capitalismo. Ao mesmo tempo, a classe média não é só uma fatia social; é uma cultura também. E uma das características constitutivas dessa classe cultural é o medo. A classe média é apavorada. Tem medo de perder suas regalias disfarçadas de segurança e estabilidade. Ela paralisa sua vida em função desse medo. Segrega. Empurra o diferente pra longe. Vota mal. Não quer pretos nas escolas dos filhos brancos. Nem a boca no fim da rua. Tem medo do flanelinha que cuida dos carros. Da puta. De sair do carro, de andar na rua. Acha que a riqueza máxima será, um dia, se separar do convívio com os pobres.
É uma cultura pobre de espírito. Chata. A ela pertencem a moral e os bons costumes. Vive de aparências e acha isso chique. E se tudo isso te parece apenas medíocre e inofensivo, não se engane: há garras e dentes. Pois é nela, na classe média, que é feita a engorda do ódio. É ela que legitima atrocidades. Movida pelo pavor, a classe média é capaz de qualquer coisa pra manter erguidas as barras que a aprisionam dentro do apartamento, enjaulada; dentro do carro, atrás de vidros blindados; dentro do bairro, onde todos são iguais. A personagem infantil de Pessoas Sublimes, peça que vi há umas semanas n’Os Satyros, em São Paulo, não sai de casa porque lá fora é muito perigoso. E já viu o que faz um bicho em perigo, acuado? Ele morde. Ele ataca.
Essa noção da classe média apavorada não é minha; tomei-a emprestada do documentário A Opinião Pública, do Arnaldo Jabor, lançado em 1967. Vale a pena assistir. Prometo que não tem nada a ver com o Jabor da Globo. É um registro das mudanças sociais pelas quais o Brasil passava na década de 1960. Uma época semelhante à de agora, quando um momento de abertura foi nocauteado por uma tenebrosa onda conservadora. Esse “medo” do qual fala Jabor nasce do que Marcia Tiburi chama de fetiche do igual, outra expressão que tomo emprestada – dessa vez do último romance dela, Uma fuga perfeita é sem volta, que estou acabando de ler. Os adeptos desse fetiche “amam o igual porque, na vida, só o que querem ver é espelho. O espelho que certifica que existem. Onde não há espelho, as pessoas põem ódio”.
O ódio. A força de uma classe média apavorada movida por ele, quando nas mãos da pessoa errada, pode ser monumental. A massa de manobra em que se transforma pode varrer uma sociedade, pode matar. E uma classe média assustada é tudo o que a direita mais aprecia e melhor sabe usar. Ela vai instigar ainda mais esse ódio que vem do medo, que por sua vez vem da não compreensão do diferente. Se a classe média brasileira não for sacudida de seu torpor, temos exemplos históricos palpáveis que mostram para onde esse discurso pode descambar. E a memória precisa ser exercitada, sempre, pra que a história não se repita.
Evitar repetições é o que um paciente encontra na análise. É o que se alcança com uma epifania. Com um momento de iluminação. Perceber essas repetições e fazer o furo, não reproduzi-las mecanicamente, liberta. Porque aí, sim, há escolha. E em tempos de uma classe média que tantas panelas bateu nas janelas – a imagem própria do desespero –, não parece haver escolha, mas mera reprodução. Por isso, em meio a essa embriaguez burguesa (classista, racista, machista, fascista), será preciso muita riqueza de espírito interior pra despertar do transe e exercitar a capacidade de discernimento. Pra perceber as bifurcações no caminho, as opções de desvio que existem, sempre.

Suspeito eu que a maneira de vê-las é olhar pro outro, pro diferente e, ao mesmo tempo, pra dentro – sem medo. Porque, no fundo, é a mesma coisa. Reconhecer o diferente é um ato íntimo. E só daí sairá algo novo.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Patrick Mariano: Enquanto as vítimas eram petistas, Gilmar e Renan se calaram. Mas o Estado policial não tem limites, eles podem até ser os próximos

Patrick Mariano: Enquanto as vítimas eram petistas, Gilmar e Renan se calaram. Mas o Estado policial não tem limites, eles podem até ser os próximos

www.viomundo.com.br
Lava Jato tropa 2
por Conceição Lemes
Na última segunda-feira (24/10), em menos de 24 horas o juiz Sérgio Moro, os procuradores da Lava Jato e os delegados da Polícia Federal (PF) receberam estocadas de quem provavelmente não esperavam.
Primeiro, de Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitor (TSE).
Em entrevista à Folha de S. Paulo, ao ser questionado sobre as reações do Judiciário, inclusive de Moro e dos procuradores da Lava Jato, contrao projeto de lei  do senador Renan Calheiros (PMDB/AL), que endurece as punições para autoridades que cometem abuso de poder, Gilmar foi contundente:
Parece que eles imaginam que devam ter licença para cometer abusos! O projeto é de 2009 e não trata exclusivamente de juízes e de procuradores, mas sim de todas as autoridades: delegados, membros de CPIs, deputados. Tanto que a maior resistência à proposta partiu de delegados de Polícia Civil na época. Por isso o projeto ficou tanto tempo arquivado.
Agora, nós temos que partir de uma premissa clara: a definição de Estado de Direito é a de que não há soberanos. Juízes e promotores não são diferentes de todas as outras autoridades e devem responder pelos seus atos”.
“(…) a Lava Jato tem sido um grande instrumento de combate à corrupção. Ela colocou as entranhas do sistema político e econômico-financeiro à mostra, tornando imperativas uma série de reformas.
Agora, daí a dizer que nós temos que canonizar todas as práticas ou decisões do juiz Moro e dos procuradores vai uma longa distância.
É preciso escrutinar as decisões e criticar métodos que levam a abusos”.
Na segunda-feira à tarde, foi a vez do senador Renan Calheiros, presidente do Congresso Nacional:
“A Lava Jato é sagrada, ela significará sempre avanços para o país, mas não significa dizer que não podemos comentar seus excessos, e comentar excessos não significa conspiração”
Foi durante coletiva de imprensa, onde anunciou que ingressaria no STF com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), em razão da Operação Métis no Senado, deflagrada na sexta-feira (21/10) pela PF.
Na ocasião, quatro policiais do Senado foram presos. A operação foi autorizada pelo juiz federal Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília.
Segundo Renan, o objetivo da ADPF é definir “claramente” a competência dos poderes:
A submissão ao modelo democrático não implica em comportamentos passivos diante de excessos cometidos por outros poderes. Pedimos para fixarmos claramente os limites dos poderes, porque um juizeco de primeira instância não pode a qualquer momento atentar contra um poder. Mandado de busca e apreensão no Senado só pode se fazer por decisão do Supremo Tribunal Federal”.
“Mais do que nunca é preciso defender os valores democráticos. Esse é meu dever. É por isso que estou repelindo essa invasão [a operação da PF], da mesma forma que repeli todos abusos praticados contra o Senado Federal sob a minha presidência”.
“A nossa trincheira tem sido sempre a mesma: a justiça, o processo legal. Sem temer esses arreganhos, truculências, intimidação. Eu tenho ódio e nojo de métodos fascistas, por isso cabe a mim repeli-los”.
 A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, reagiu:
“Todas as vezes que um juiz é agredido, eu e cada um de nós juízes é agredido. E não há a menor necessidade de, numa convivência democrática, livre e harmônica, haver qualquer tipo de questionamento que não seja nos estreitos limites da constitucionalidade e da legalidade”.
Há muito tempo especialistas denunciam os abusos da Lava Jato e a exacerbação do Estado policial no País.
A novidade é o fato de as elas terem partido de Gilmar Mendes e Renan Calheiros.
patrick marianoDaí esta entrevista com Patrick Mariano, severo crítico do Estado policial brasileiro. Ele é mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB).
Viomundo — No início da semana, em menos de 24 horas, o ministro Gilmar Mendes e o senador Renan Calheiros se insurgiram contra os abusos praticados pela PF, Ministério Público e Judiciário brasileiro. Gilmar, citando especificamente os procuradores da Lava Jato. Renan, a ação da PF no Senado, prendendo quatro policiais legislativos.  O que achou do diagnóstico do ministro? 
Patrick Mariano — A lucidez dele é efêmera. De repente, tem um insight e se dá conta de que existe um Estado policial. Em outros momentos se cala diante do arbítrio ou contribui para que ele prevaleça. Geralmente, sua lucidez está ligada à proteção da sua classe social e daqueles com os quais compartilha afinidades ideológicas. Mas alguns pontos do diagnóstico dele estão corretos.
Viomundo — O que destaca?
Patrick Mariano – Primeiro, a crítica ao absurdo que é servidores públicos, como o são os juízes, procuradores e delegados da Lava Jato, se colocarem contra o projeto que pune o abuso de autoridade.
Ser contra o projeto é quase uma confissão da prática de crime. Se você examinar as ilegalidades dessa operação, tanto de método quanto de concepção, talvez seja possível entender a resistência. A Lava Jato é uma fonte inesgotável de arbitrariedades.
O segundo ponto que destaco é a crítica às prisões preventivas da operação, todas ilegais.
Viomundo — Por que ilegais?
Patrick Mariano — Porque buscam atender a outra finalidade que não resguardar o processo penal.
Viomundo — Por que estão contra o projeto?
Patrick Mariano –Talvez justamente porque pratiquem abusos e ilegalidades reiteradas.
Viomundo — Daria pra exemplificar algumas ilegalidades, arbitrariedades? 
Patrick Mariano –São tantas que passaríamos horas conversando. Mas destaco a jurisdição universal que parece ter Sérgio Moro. Ele julga fatos que não são de sua competência. Determina prisões ilegais e conduções coercitivas para satisfazer a chamada “opinião pública” ou publicada, como diz o advogado criminalista Nilo Batista.
O ato de ilegalmente determinar a interceptação telefônica da presidenta da República, Dilma Rousseff, e, depois, divulgar esse conteúdo para a Rede Globo, sem ter competência para tanto, fala por si.
Viomundo – Até censura a um colunista da Folha o juiz Moro já tentou…
Patrick Mariano — Sim, pois é. Ao invés de responder racionalmente ao artigo do físico e professor Rogério César de Cerqueira Leite, Moro preferiu questionar a publicação, como se tivesse investido de poderes de um soberano. Até estranhei a reação dele. Imaginei que Savonarola fosse um exemplo intelectual, uma referência de método empregado na operação.
 Viomundo — O Renan ingressou no STF com uma ADPF por conta da operação da PF no Senado. O que acha?
Patrick Mariano – Se nós vivêssemos num momento de respeito à Constituição e de segurança jurídica, isso não seria necessário. Mas como não estamos, acho bastante importante. Servirá para questionar possível violação, a separação entre os poderes e a autoridade do juiz de primeiro grau que determinou a ação.
 Viomundo — O juiz que expediu o mandado para a PF prender os policiais legislativos poderia legalmente fazer isso ou extrapolou?
 Patrick Mariano — Os policiais legislativos agiram de ofício? Não, cumpriam ordens de senadores. Bom, o juiz resolveu somente investigar a conduta desses servidores e não a dos senadores, não é estranho?
Foi um passa-moleque na competência do Supremo Tribunal Federal.
Ao que tudo indica fazer varreduras está dentro da competência da Polícia Legislativa — eu acho um erro tremendo a ampliação do poder desses grupos — mas está lá.
Então, na verdade, foi uma ação provocadora da PF e do juiz de primeiro grau para questionar a autoridade do Senado. Para amedrontar e demonstrar poder.
Viomundo — Provocação ao Senado a troco de quê?
Patrick Mariano — Para exibir poder, criminalizar o exercício da política e amedrontar o Poder Legislativo. Há muito tempo a Polícia Federal se tornou um partido político. Agora, os procuradores da República querem legislar e juízes de primeiro grau desafiam, sem receio, a autoridade dos tribunais.
Viomundo — Não seria uma provocação também ao próprio STF?
Patrick Mariano –Sem dúvida. Aliás, juízes de primeiro grau impediram nomeações de ministros por parte do Presidente da República e o STF nada fez. Penso que o STF se tornou mera franquia de uma Vara Federal. Não resguarda a Constituição e assiste impassível à retirada da sua autoridade por juízes de primeiro grau. 
Viomundo — O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, disse que a PF estava correta, foi dentro da legalidade. E aí?
Patrick Mariano — O ministro da Justiça se tornou um mero porta-voz da Polícia Federal sem curso de Jornalismo nem media training.
Viomundo — A defesa que a ministra Cármem Lúcia fez do “juizeco” procede? 
Patrick Mariano –Digamos que a manifestação da ministra não está à altura do cargo que ocupa. Ora, como presidente do STF e diante de reiterados ataques ao STF e à Constituição da República de 1988, ela deveria ter outra postura. O cargo exige que aja no sentido de defender a autoridade do tribunal e não só criticar, assim como determinar a apuração de abusos de autoridade praticados por juízes.
Viomundo — Está dizendo que a Constituição e o STF estão sendo atacados e ela tem ficado quieta? 
 Patrick Mariano — Quieta não, é pior do que isso. Ela tem aquiescido e batido palmas, como fazem aqueles colunistas da Globo News naqueles debates de fim de tarde.
Viomundo — Que ataques o Supremo tem sofrido? 
Patrick Mariano — Juízes de primeiro grau agem e decidem como se fossem ministros do STF, ou seja, violam regras básicas de competência. Isso gera um quadro de completa insegurança jurídica.
Viomundo — É impressão minha ou os juízes estão se achando deuses, estão acima de tudo e todos, portanto não passíveis de críticas? 
Patrick Mariano – Infelizmente, a estrutura do Poder Judiciário brasileiro ainda não se adaptou ao regime democrático. Possui práticas quase monárquicas. Até pouco tempo as sessões das provas orais dos concursos de juízes eram secretas e são vários os relatos de candidatos e candidatas reprovados por machismo e idiossincrasias de desembargadores.
Não há transparência nos gastos, muitos juízes recebem acima do teto do funcionalismo e quando praticam crimes têm como pena a aposentadoria com vencimento integral.
Viomundo — Por que só agora  Gilmar e Renan estão chiando, considerando que os abusos vem sendo cometidos há um bom tempo? 
Patrick Mariano — Lembra um pouco a situação do morador de bairro alto diante de uma enchente. O rio começa a subir, mas até então as casas alagadas estão distantes.
Enquanto as vítimas do Estado policial eram petistas, foi conveniente se calar diante do arbítrio. O ledo engano de Gilmar e Renan é que o Estado policial não tem limites, uma vez instaurado não há como conter. As próximas vítimas podem até ser eles.
Aliás, em alguns casos o ministro Gilmar até incentivou esse estado de coisas, como quando impediu a posse do ex-presidente Lula como ministro-chefe da Casa Civil. Ou seja, penso que acordaram um pouco tarde demais.
Viomundo — Daria para sinalizar a partir de quando esses abusos começaram a ocorrer?
Patrick Mariano — São vários fatores. A criminalização da política foi estimulada pela grande mídia, executada por atores do judiciário, Ministério Público e Polícia Federal e se tornou um instrumento, talvez o principal, de partidos que queriam “retirar do poder” o PT.
Basta lembrar a ação penal 470, o chamado mensalão, e programas como CQC e o colunismo do ódio. Junto com isso, a inocência da gestão petista, que permitiu a ampliação legislativa do Estado policial sem qualquer contraponto crítico.
E, por fim, a ascensão política de jovens procuradores e juízes fabricados do dia para a noite, como personalidades públicas, porque se tornaram verdugos de inimigos políticos. O problema é que soltaram um monstro e agora não sabem como colocar de volta na jaula.
Viomundo — Você diz: “inocência da gestão petista que permitiu a ampliação legislativa do Estado policial sem qualquer contraponto crítico”. Explique melhor.
Patrick Mariano — A gestão da presidenta Dilma foi responsável por não impedir o avanço legislativo do Estado policial. Muitas vezes foi até indutor da aprovação de leis de claro conteúdo protofascista e que permitem o arbítrio estatal, como a lei de organizações criminosas.
Viomundo — O PT apostou no republicanismo, que foi usado pelas corporações pra gestar o ovo da serpente?
Patrick Mariano — Sem ter tido qualquer projeto para o sistema de justiça, agora o PT é vítima de leis autoritárias que ajudou a criar. É uma triste ironia. Mistura de arrogância com inocência quanto à luta de classes e quanto ao papel do Estado.
Viomundo — Isso aconteceu tanto nos governos Lula e Dilma? Pelo o que eu li, foi o Tarso Genro, por exemplo, que descentralizou a inteligência da PF, permitindo que, em cada se estado, ela fizesse o que bem quisesse.
Patrick Mariano — As gestões do PT no Ministério da Justiça foram muitos ruins e refletem a falta de uma visão estratégica para o sistema de justiça, com exceção do ministro Eugênio Aragão que, infelizmente, ficou pouco tempo. Tarso ainda foi firme na questão do Cesare Battisti, de resto as atuações foram pífias e patéticas.
Viomundo — Nós estamos vendo um aumento da criminalização dos movimentos sociais. Isso faz parte do Estado policial?
 Patrick Mariano – Para os assim chamados debaixo — as classes mais pobres e os movimentos de cidadania e reivindicatórios — o Estado policial chegou há décadas. Mas os efeitos da sua ampliação nos últimos anos serão ainda mais nefastos.
A decisão do STF de desrespeitar o princípio constitucional da presunção de inocência fará com que os números do encarceramento em massa sejam ainda mais absurdos. Assim como a desastrosa política de gestão judiciária que restringiu enormemente a eficácia do habeas corpus.
Com o avanço de políticas neoliberais haverá protesto social e, para refreá-lo, o direito penal, ampliado pela equivocada gestão petista, servirá como instrumento poderoso.
Viomundo – Está se referindo à decisão do STF que possibilita a prisão em segunda instância?
Patrick Mariano — Sim, um horror aquele julgamento. Ali houve uma opção clara da Corte Suprema pelo punitivismo e pelo encarceramento em massa em total desrespeito à Constituição que assegura, sem limitações, a presunção de inocência.
Patrick Mariano — Como acabou eficácia do habeas corpus?!
 Patrick Mariano — Por uma desastrosa decisão de gestão judiciária limitaram — e muito — o habeas corpus, instrumento histórico de defesa do cidadão contra o arbítrio estatal.
Viomundo — O que significa a ampliação do direito penal na gestão do PT?
Patrick Mariano – No poder, a esquerda não se deu conta de que a sua luta histórica é pela ampliação dos direitos e das garantias individuais. Flertou com o populismo penal e, agora, paga um trágico preço.
Patrick Mariano — Em que medida a lei antiterrorismo da presidenta Dilma está contribuindo para isso?
Patrick Mariana — É mais um equívoco legislativo tremendo. Centenas de organizações da sociedade civil pediram ao governo que retirasse esse projeto. Em vão. A lei foi aprovada cheia de erros e com artigos inconstitucionais. Na verdade, é mais um instrumento punitivo nas mãos de poder político.
Viomundo — Quais as consequências?
Patrick Mariano –Mais repressão.
Viomundo — O que a sociedade deve fazer?
Patrick Mariano — Os movimentos populares precisam se organizar cada vez mais. Além disso, denunciar e exercer a solidariedade. E, claro, refletir e procurar entender porque parte da esquerda, mesmo diante de inúmeros avisos, não se deu conta de que sua luta histórica é pela efetivação e ampliação dos direitos e não pelo seu sufocamento.
PS: Ontem, quarta-feira (26/10), após essa entrevista, houve a divulgação de que ONU aceitou a petição do ex-presidente Lula que denuncia as ilegalidades do sistema de justiça praticadas em seu desfavor e de sua família. Por isso, fiz hoje mais esta pergunta a Patrick Mariano:
Qual o significado ou possíveis reflexos da aceitação da denúncia do ex-presidente Lula pela ONU, evocando pactos e decisões das cortes internacionais?
Patrick Mariano — Se o sistema de justiça brasileiro não tem sido capaz de garantir os direitos e garantias fundamentais dos seus cidadãos, resta o pedido de proteção aos fóruns e organismos internacionais. Se consideramos que vivemos em um Estado policial, os efeitos são semelhantes às cartas que denunciavam a tortura na época da ditadura. Isso é importante porque fura a bolha e o conluio que existe entre a grande mídia brasileira e a inquisição de juízes e procuradores.