publicado em http://www.conjur.com.br/
publicado em http://www.conjur.com.br/
O impeachment da presidente Dilma Roussef é golpe
27 de março de 2016, 16h25
Desde
o momento em que o Presidente da Câmara dos Deputados recebeu a
denúncia de impeachment contra a Presidenta da República Dilma Rousseff
instaurou-se na sociedade e, notadamente, no meio jurídico acirrado
debate sobre a natureza jurídica do impeachment e sua legalidade no
caso. Ministros e ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) foram
chamados a se manifestar sobre o impeachment, sua natureza e legalidade.
De igual modo vários juristas, também, se manifestaram através de
artigos, pareceres e declarações sobre o tema.
Mesmo
para aqueles que entendem que a natureza do impeachment é
predominantemente política, para se evitar qualquer flerte com o
golpismo, o julgamento deve ser guiado pelos princípios fundamentais do
direito, hipótese outra representaria afronta ao próprio Estado
democrático de direito. Seria, portanto, neste contexto, inimaginável e
igualmente absurdo o Parlamento julgar a Presidenta da República por
conduta que não esteja prevista em lei (princípio da legalidade) como
crime de responsabilidade.
O princípio da legalidade – nullum crimen nulla poena sine lege praevia
- é pedra angular do direito penal. Além de ser um princípio
constitucional limitador do poder punitivo estatal – o juiz só poderá
julgar de acordo com o que está previsto na lei e nos limites da mesma –
trata-se de o princípio político que remonta a separação dos poderes.
Sustenta-se
aqui, que o processo de impeachment tem natureza mista:
política/jurídica. Segundo a ministra do STF Carmem Lúcia o impeachment
tem natureza política e jurídica-penal. Sendo assim, mais do que nunca
deve está restrito aos princípios constitucionais, processuais e penais.
Portanto, em hipótese alguma poderá a Presidenta da República ser
“impichada” sem que seja comprovado, sem qualquer sombra de dúvida, a
prática de crime de responsabilidade de acordo com a lei.
Não
é despiciendo lembrar que não há uma definição precisa e determinada
dos “crimes de responsabilidade” que leve em conta os princípios
fundamentais bem como da dogmática penal.
Neste
particular, a taxatividade penal como corolário do princípio da
legalidade é afrontada. A incriminação vaga e indeterminada de certos
fatos, deixa incerta a esfera da licitude, comprometendo a segurança
jurídica do cidadão. Na realidade, a incriminação vaga e indeterminada
faz com que não haja lei definindo como delituosa certa conduta, pois,
ao final, a identificação do fato punível fica ao arbítrio do julgador¹.
Quando
a ministra Carmem Lúcia, ministro Dias Toffoli e outros afirmam que o
impeachment não é golpe porque está previsto na Constituição da
República, é preciso apreender e fazer a leitura correta da afirmação.
Não satisfaz neste processo a previsão constitucional para afastar
qualquer tentativa golpista. É imperioso que o devido processo legal,
contraditório e ampla defesa sejam norteadores da decisão que será
tomada pelo Congresso Nacional. No regime presidencialista a
insatisfação popular não pode por si só levar ao impeachment do
governante máximo do país.
Para o respeitável professor
de direito público da UnB Marcelo Neves, “a DCR 1/2015, recebida pelo
Presidente da Câmara dos Deputados, é inconsistente e frágil,
baseando-se em impressões subjetivas e alegações vagas. Os denunciantes e
o receptor da denúncia estão orientados não em argumentos jurídicos
seguros e sustentáveis, mas sim em avaliações parciais, de caráter
partidário ou espírito de facção. Aproveitam-se de circunstanciais
dificuldades políticas da Presidente da República em um momento de grave
crise econômica, desconhecendo, estrategicamente, o apoio que ela vem
dando ao combate à “corrupção” e a sua luta diuturna para conseguir a
aprovação de medidas contra a crise econômica no Congresso Nacional.
Denunciantes e receptor afastam-se não apenas da ética
da responsabilidade, mas também de qualquer ética do juízo, atuando por
impulsos da parcialidade, do partidarismo e da ideologia, em prejuízo do
povo brasileiro”.
De igual modo, como já referido, não se pode marginalizar os princípios da legalidade e da taxatividade em matéria penal.
Neste sentido, valioso o parecer cientifico apresentado pelos consagrados professores Juarez Tavares e Geraldo Prado, in verbis:
“As pressões pela ‘flexibilização dos mandatos presidenciais’ via
ampliação das hipóteses de impeachment, para abranger situações não
enquadráveis, taxativamente, no art. 85 da Constituição – ou ainda para
alargar o conceito de ‘crime de responsabilidade’ – atentam contra o
significado da proteção constitucional ao voto direto, secreto,
universal e periódico. É neste sentido que Martinez investe contra o que
denomina como “tergiversação jurídica”, que afeta a segurança jurídica
do sistema democrático ao permitir o emprego do “juízo político” “como
um mecanismo de responsabilidade política, de controle da atuação
cotidiana do presidente” e termina por afirmar tratar-se de um recurso
inconstitucional. No Brasil a questão ganha contornos mais delicados
dado o fenômeno que os cientistas sociais observam, relativamente a
‘atitudes ambivalentes perante a democracia’. “
Continuam os eminentes juristas:
“O estudo de caso de emprego abusivo do “juízo político” na América
Latina aponta para algumas condutas comuns, em particular, mas não
exclusivamente, em processos que chegaram à Corte Interamericana de
Direitos Humanos. Em geral o abuso de poder concernente ao impeachment
pode ser constatado pela: a) deliberada não aplicação dos critérios
dogmáticos de definição dos “crimes de responsabilidade”; b) violação
sistemática das garantias do devido processo”.
É
necessário atentar que embora caiba ao Congresso Nacional, conforme já
dito, processar e julgar a Presidenta da República deve tanto a Câmara
dos Deputados quanto o Senado Federal se submeterem aos princípios
constitucionais, as leis e as normas pertinentes à matéria. Forçoso
ressaltar, ainda, que diante de um Estado de direito - que
originariamente apresentava como características básicas: i. submissão
ao império da lei; ii. separação harmônica dos poderes; iii. enunciado e
garantia dos direitos individuais² - a “voz das ruas” por mais sedutora
que seja, principalmente, para parlamentares, não pode em hipótese
alguma suplantar o direito e as leis.
Por tudo, o pretendido
impeachment da Presidenta da República Dilma Rousseff é golpe. Golpe
porque não há crime de responsabilidade; golpe porque a “voz das ruas”
amplificada pela mídia não está acima da lei e nem da “voz das urnas”;
golpe porque pretende transformar uma insatisfação momentânea e política
em motivos irracionais, políticos e passionais para derrubar a
Presidenta eleita com cerca de 55 milhões de votos; golpe porque há um
inegável processo de criminalização da Presidenta Dilma, do
ex-presidente Lula e do Partido dos Trabalhadores; por fim, é golpe
porque não está de acordo com a lei, com o direito e com a justiça.
_______________________
¹FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 1991.
² SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
Desde
o momento em que o Presidente da Câmara dos Deputados recebeu a
denúncia de impeachment contra a Presidenta da República Dilma Rousseff
instaurou-se na sociedade e, notadamente, no meio jurídico acirrado
debate sobre a natureza jurídica do impeachment e sua legalidade no
caso. Ministros e ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) foram
chamados a se manifestar sobre o impeachment, sua natureza e legalidade.
De igual modo vários juristas, também, se manifestaram através de
artigos, pareceres e declarações sobre o tema.
Mesmo
para aqueles que entendem que a natureza do impeachment é
predominantemente política, para se evitar qualquer flerte com o
golpismo, o julgamento deve ser guiado pelos princípios fundamentais do
direito, hipótese outra representaria afronta ao próprio Estado
democrático de direito. Seria, portanto, neste contexto, inimaginável e
igualmente absurdo o Parlamento julgar a Presidenta da República por
conduta que não esteja prevista em lei (princípio da legalidade) como
crime de responsabilidade.
O princípio da legalidade – nullum crimen nulla poena sine lege praevia
- é pedra angular do direito penal. Além de ser um princípio
constitucional limitador do poder punitivo estatal – o juiz só poderá
julgar de acordo com o que está previsto na lei e nos limites da mesma –
trata-se de o princípio político que remonta a separação dos poderes.
Sustenta-se
aqui, que o processo de impeachment tem natureza mista:
política/jurídica. Segundo a ministra do STF Carmem Lúcia o impeachment
tem natureza política e jurídica-penal. Sendo assim, mais do que nunca
deve está restrito aos princípios constitucionais, processuais e penais.
Portanto, em hipótese alguma poderá a Presidenta da República ser
“impichada” sem que seja comprovado, sem qualquer sombra de dúvida, a
prática de crime de responsabilidade de acordo com a lei.
Não
é despiciendo lembrar que não há uma definição precisa e determinada
dos “crimes de responsabilidade” que leve em conta os princípios
fundamentais bem como da dogmática penal.
Neste
particular, a taxatividade penal como corolário do princípio da
legalidade é afrontada. A incriminação vaga e indeterminada de certos
fatos, deixa incerta a esfera da licitude, comprometendo a segurança
jurídica do cidadão. Na realidade, a incriminação vaga e indeterminada
faz com que não haja lei definindo como delituosa certa conduta, pois,
ao final, a identificação do fato punível fica ao arbítrio do julgador¹.
Quando
a ministra Carmem Lúcia, ministro Dias Toffoli e outros afirmam que o
impeachment não é golpe porque está previsto na Constituição da
República, é preciso apreender e fazer a leitura correta da afirmação.
Não satisfaz neste processo a previsão constitucional para afastar
qualquer tentativa golpista. É imperioso que o devido processo legal,
contraditório e ampla defesa sejam norteadores da decisão que será
tomada pelo Congresso Nacional. No regime presidencialista a
insatisfação popular não pode por si só levar ao impeachment do
governante máximo do país.
Para o respeitável professor
de direito público da UnB Marcelo Neves, “a DCR 1/2015, recebida pelo
Presidente da Câmara dos Deputados, é inconsistente e frágil,
baseando-se em impressões subjetivas e alegações vagas. Os denunciantes e
o receptor da denúncia estão orientados não em argumentos jurídicos
seguros e sustentáveis, mas sim em avaliações parciais, de caráter
partidário ou espírito de facção. Aproveitam-se de circunstanciais
dificuldades políticas da Presidente da República em um momento de grave
crise econômica, desconhecendo, estrategicamente, o apoio que ela vem
dando ao combate à “corrupção” e a sua luta diuturna para conseguir a
aprovação de medidas contra a crise econômica no Congresso Nacional.
Denunciantes e receptor afastam-se não apenas da ética
da responsabilidade, mas também de qualquer ética do juízo, atuando por
impulsos da parcialidade, do partidarismo e da ideologia, em prejuízo do
povo brasileiro”.
De igual modo, como já referido, não se pode marginalizar os princípios da legalidade e da taxatividade em matéria penal.
Neste sentido, valioso o parecer cientifico apresentado pelos consagrados professores Juarez Tavares e Geraldo Prado, in verbis:
“As pressões pela ‘flexibilização dos mandatos presidenciais’ via
ampliação das hipóteses de impeachment, para abranger situações não
enquadráveis, taxativamente, no art. 85 da Constituição – ou ainda para
alargar o conceito de ‘crime de responsabilidade’ – atentam contra o
significado da proteção constitucional ao voto direto, secreto,
universal e periódico. É neste sentido que Martinez investe contra o que
denomina como “tergiversação jurídica”, que afeta a segurança jurídica
do sistema democrático ao permitir o emprego do “juízo político” “como
um mecanismo de responsabilidade política, de controle da atuação
cotidiana do presidente” e termina por afirmar tratar-se de um recurso
inconstitucional. No Brasil a questão ganha contornos mais delicados
dado o fenômeno que os cientistas sociais observam, relativamente a
‘atitudes ambivalentes perante a democracia’. “
Continuam os eminentes juristas:
“O estudo de caso de emprego abusivo do “juízo político” na América
Latina aponta para algumas condutas comuns, em particular, mas não
exclusivamente, em processos que chegaram à Corte Interamericana de
Direitos Humanos. Em geral o abuso de poder concernente ao impeachment
pode ser constatado pela: a) deliberada não aplicação dos critérios
dogmáticos de definição dos “crimes de responsabilidade”; b) violação
sistemática das garantias do devido processo”.
É
necessário atentar que embora caiba ao Congresso Nacional, conforme já
dito, processar e julgar a Presidenta da República deve tanto a Câmara
dos Deputados quanto o Senado Federal se submeterem aos princípios
constitucionais, as leis e as normas pertinentes à matéria. Forçoso
ressaltar, ainda, que diante de um Estado de direito - que
originariamente apresentava como características básicas: i. submissão
ao império da lei; ii. separação harmônica dos poderes; iii. enunciado e
garantia dos direitos individuais² - a “voz das ruas” por mais sedutora
que seja, principalmente, para parlamentares, não pode em hipótese
alguma suplantar o direito e as leis.
Por tudo, o pretendido
impeachment da Presidenta da República Dilma Rousseff é golpe. Golpe
porque não há crime de responsabilidade; golpe porque a “voz das ruas”
amplificada pela mídia não está acima da lei e nem da “voz das urnas”;
golpe porque pretende transformar uma insatisfação momentânea e política
em motivos irracionais, políticos e passionais para derrubar a
Presidenta eleita com cerca de 55 milhões de votos; golpe porque há um
inegável processo de criminalização da Presidenta Dilma, do
ex-presidente Lula e do Partido dos Trabalhadores; por fim, é golpe
porque não está de acordo com a lei, com o direito e com a justiça.
_______________________
¹FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 1991.
² SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.