O vice-presidente Michel Temer e, segundo O Globo, dois de seus assessores para assuntos do impeachment de Dilma: os ex-ministros Geddel Vieira Lima e Moreira Franco, autor do Plano Temer.
Da Redação
O PMDB quer assumir o governo para implantar um projeto econômico que, nas palavras do senador petista Lindbergh Farias, “nenhum candidato ao Planalto teria condições de apresentar aos eleitores”.
É o desmanche de direitos sociais garantidos pela Constituição de 1988,
conforme denuncia o senador Roberto Requião. Isso, com um mandato obtido sem um voto sequer, ou seja, através de uma “eleição indireta” no Congresso — se vingar o afastamento de Dilma.
Aliado a ele, o PSDB faria sua segunda reforma neoliberal — esta com a mão do gato. O que poderia dar em troca? Sumiço da Lava Jato do noticiário? Apoio a um novo engavetador-geral da República?
Afastar Dilma é o primeiro passo para enterrar a operação da PF que pode chegar a outros líderes do PMDB, dentre os quais o próprio Temer, permitindo assim que implantem seu plano econômico sem interferência da Polícia Federal.
A ala pró-Temer diz que Padilha [ex-ministro Eliseu], expert em planilha e controle de votos desde a Constituinte, começa a trabalhar a partir de amanhã no gabinete da presidência do PMDB, que fica na Câmara dos Deputados.
Outro membro atuante do grupo do vice-presidente é o ex-governador e ex-ministro Moreira Franco, autor do “Plano Temer”, apelido que ele mesmo deu ao programa de governo elaborado pelo PMDB no mês passado, contendo medidas opostas às adotadas por Dilma. O documento, escrito após consultas a vários economistas próximos ao partido, foi interpretado como um programa de transição a ser adotado após a saída da presidente e, ao mesmo tempo, como um sinal para o mercado financeiro e o setor produtivo.
Ao ser apresentado aos peemedebistas, em um congresso da Fundação Ulysses Guimarães, presidido por Moreira, o vice-presidente da República foi recebido com um coro de “Temer, veste a faixa já”. Na base do partido, o sentimento há muito tempo é pela ruptura.
— O impeachment está posto e certamente será uma grande contribuição para que possamos recuperar 2015, um ano que se perdeu na queda de braço entre a presidente Dilma e Eduardo Cunha, e de retomarmos o esforço de criar condições para que possamos sair da maior crise econômica da História — afirmou Moreira.
Geddel sempre resistiu à manutenção da aliança com o PT no governo Dilma. Aliado de Aécio Neves em 2014, ele circula em Brasília entre o Palácio do Jaburu e o gabinete do irmão, o deputado Lúcio Vieira Lima. Não por coincidência, Lúcio é um dos 22 deputados peemedebistas que trabalham abertamente pelo afastamento da presidente. Nesse grupo está também o deputado Osmar Terra (RS) — que, tão logo o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), deu andamento à ação contra Dilma, foi ao Jaburu conversar com a cúpula partidária.
— Geddel é o nosso Estado Islâmico, o homem-bomba do partido — resumiu um peemedebista da cúpula ao GLOBO sobre a atuação do baiano quando o assunto é impeachment.
Fora do núcleo mais próximo de Temer, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) defende abertamente o impeachment desde o início do ano. Com presença menos frequente nas reuniões quase diárias que ocorreram nas últimas semanas à noite no Palácio do Jaburu, o peemedebista se reaproximou. Nos bastidores, Jucá atua entre políticos, empresários e representantes do mercado financeiro na defesa de que só com uma mudança de ares seria possível recuperar a economia do país.
Em meio à crise política, interlocutores da presidente sondaram uma possível volta de Jucá à liderança, ao que o peemedebista ironizou a aliados:
— O Titanic está afundando, e querem me dar um camarote? Tô fora.
Além do oportunismo explícito, impressiona o baixo nível de um debate no qual está em jogo o futuro do Brasil.
Geddel, ontem à noite, no twitter:
Questionado pelo Viomundo por causa do baixo nível da argumentação, Geddel respondeu que usa a linguagem “do povo”.
O ex-deputado estava, obviamente, fazendo referência ao processo de impeachment do ex-presidente Bill Clinton, nos Estados Unidos, no final dos anos 90.
Para Geddel, aparentemente, não vivemos numa “democracia de verdade”.
A “argumentação” do tweet não é apenas grosseira, mas falaciosa.
Correspondente nos Estados Unidos, acompanhei de perto os dois mandatos do ex-presidente Clinton.
A reação impiedosa da oposição republicana a Clinton, no primeiro mandato, a partir de 1993, começou por conta da reforma do sistema de saúde apresentada por Hillary Clinton, logo apelidada de Hillarycare.
Foi um massacre patrocinado pelos lobistas da indústria da saúde privada. Desde então, para o dinheiro grosso Clinton ficou marcado para morrer. Tanto que o assunto só retornou ao debate público quase vinte anos depois, no governo Obama.
Clinton também pagou pela mágoa acumulada dos republicanos, que haviam perdido uma eleição que consideravam ganha. Ele frustrou o que era dado como certo: o segundo mandato de Bush pai, “herói” da derrota de Saddam Hussein na primeira Guerra do Golfo.
Embora Clinton, a partir do fracasso do Hillarycare, tenha guinado mais e mais à direita, governando com Wall Street, seu sucesso eleitoral enfureceu os republicanos, que detinham o controle da Câmara pela primeira vez em 40 anos. O democrata se reelegeu com folga em 1996.
Foi então que vários escândalos propagados pela direita raivosa através de talk-shows de rádio — a versão norte-americana dos Revoltados On Line era radiofônica — deu origem a uma investigação de um promotor especialmente destacado pela Justiça: Kenneth Starr. Starr tinha sido indicado para um tribunal superior por Ronald Reagan e ocupara o posto de advogado-geral da União no governo Bush. Mal comparando, uma espécie de Gilmar Mendes investigando o governo Lula.
Starr foi acusado seguidamente de “politizar” o processo, promovendo vazamentos em série à imprensa que poderiam ter impacto eleitoral, na linha do que acontece hoje na Operação Lava Jato.
Starr não investigou Clinton apenas pelo “boquete” da estagiária, como quer fazer crer o ex-ministro Geddel. Starr isentou o ex-presidente de envolvimento na morte de um assessor. Vincent Foster cometeu suicídio, mas a direita raivosa atribuía a morte à Casa Branca, suspostamente para encobrir malfeitos de Bill e Hillary quando ainda estavam no governo de Arkansas. Starr perseguiu o escândalo de Whitewater, um negócio imobiliário obscuro tocado pelos Clinton em seu estado de origem. Starr foi atrás das muitas amantes de Clinton, uma das quais, Paula Jones, acionou-o na Justiça.
O promotor não achou nenhuma ofensa “impeacheable” de Clinton.
Nada que pudesse tirá-lo do poder, a não ser uma denúncia vaga de obstruir a Justiça e, sim, uma mentira contada por Clinton num depoimento à Justiça, quando negou ter mantido relações sexuais com a estagiária Monica Lewinsky.
Foi assim que o ex-presidente foi “impichado” pela Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, em 1998, por perjúrio e obstrução de Justiça. Foi absolvido pelo Senado.
Clinton respondeu a duas acusações bem específicas de violar a lei, a partir de uma longa investigação da Justiça, diferentemente do que acontece hoje com a presidente Dilma Rousseff.
Além de ser altamente discutível se Dilma de fato cometeu “crime de responsabilidade”, o processo a que ela vai ser submetida, claramente político, teve andamento por obra de um presidente da Câmara ele mesmo acusado de corrupção com robustas provas, num momento de “vingança”.
Para Geddel, se os Estados Unidos — na definição dele, uma “democracia de verdade” — processaram Clinton por causa de um “boquete”, por que seria golpe apurar crime de responsabilidade de Dilma?
Porque nos EUA, repetimos, apesar do processo ter feito parte de uma guerra política, as duas acusações a Clinton eram bem específicas. Aqui, não pesa contra Dilma acusação de perjúrio, nem de obstrução de Justiça.
A comparação feita pelo “homem-bomba” do PMDB — o Estado Islâmico, segundo aspas publicadas pelo O Globo — não é apenas enganosa e de baixo nível; serve também para demonstrar porque, com um ex-deputado e ministro como ele, não vivemos “numa democracia de verdade”.
O processo de impeachment de Clinton foi um turning point na degradação do debate político nos Estados Unidos, um vale-tudo que tinha como expoente o republicano Newt Gingrich, cuja retórica hoje se encaixaria perfeitamente no Tea Party. É a mesma degradação expressa na comparação obtusa de Geddel.