sábado, 14 de novembro de 2015

G. ÁLBUNS #100 (ESPECIAL): CARTOLA (1976)

G. ÁLBUNS #100 (ESPECIAL): CARTOLA(1976)


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Segundo disco de um dos maiores sambistas brasileiros é pura inteligência emocional

01 O Mundo é Um Moinho
02 Minha
03 Sala de Recepção
04 Não Posso Viver Sem Ela
05 Preciso Me Encontrar
06 Peito Vazio
07 Aconteceu
08 As Rosas Não Falam
09 Sei Chorar
10 Ensaboa Mulata
11 Senhora Tentação
12 Cordas de Aço

Gravadora: Discos Marcus Pereira
Data de Lançamento: 1976
Cartola é especial – por isso, escolhi a dedo a inclusão desta obra-prima como o disco número 100 da seção#Grandes Álbuns. (Claro que isso não quer dizer que é o centésimo disco favorito do Na Mira. A escolha dos álbuns aqui sempre foi aleatória, como tudo é na vida. Na verdade, o carinho por ele é tão grande que entra facilmente naquele rol de discos da vida.) Enfim.
Falar de Cartola é mexer com a emoção. A história já é bem conhecida, mas não custa nada relembrar: Angenor de Oliveira gravou seu primeiro disco somente aos 65 anos (homônimo que antecede este), depois de ficar muito tempo no limbo artístico: ele já era compositor de sambas desde a década de 1940, defendendo a Mangueira – que ovaciona de forma bonita em “Sala de Recepção”.
Trabalhou em subempregos para sobreviver, até que foi redescoberto no começo da década de 1970 (mais detalhes de sua biografia, confira este post).
Tido como um dos maiores nomes do samba de todos os tempos, Cartola fazia o que se convém chamar de samba-canção, em que a melodia favorece composições mais densas. Cartola cantava o que lhe vinha do âmago: a procura do eu existencial (“Preciso Me Encontrar”) e a sabedoria emocional que foi retrato indissociável após seus longos percalços na vida.

Ele não tem medo de externar suas fraquezas em “Sei Chorar”, por exemplo. Com a experiência de quem já flertou diversas vezes com paixões e amores, ele crava com a maior certeza do mundo: ‘Estou cansado de ouvir dizer/Que aprende-se a sofrer no amor’.
Esse entendimento do mundo norteia, principalmente, suas canções mais tristes – como “O Mundo é Um Moinho”, em que a resignação de um amor não correspondido é precedida por ‘conselhos’, que até seriam ‘broncas’ se não fossem colocadas de forma tão sutil: ‘Preste atenção querida/Embora eu saiba que estás resolvida/Em cada esquina cai um pouco a tua vida/Em pouco tempo não serás mais o que és’.

Aí vem o ponto fulcral: ‘Preste atenção, o mundo é um moinho/Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos/Vai reduzir as ilusões a pó’. É a típica crônica de um rapaz apaixonado por uma moça mais nova que não quer levá-lo à sério. O que poderia ser uma arrogância da maturidade, Cartola transforma numa troca de experiências por meio da vivência. Se ela não o quer, tudo bem – a vida continua. Mas não pense que o caminho daqui em diante será fácil só porque recusou a entrega sentimental do rapaz.
Mesmo reconhecido como grandioso compositor, Cartola não recusou gravar canções de parceiros. No samba alegre de “Senhora Tentação”, a letra de Silas de Oliveira fala de um tema recorrente no gênero: não ceder cegamente aos desejos carnais (e aí a sonoridade que bem cabe ao morro entrega que os ‘efeitos da sedução’ podem embriagar a alma do cantor a qualquer momento: ele não vai se esforçar muito em impedir).

“Preciso Me Encontrar” é de autoria de Candeia, mas é uma música toda Cartola. Uma única audição comprova que não haveria de ter melhor intérprete para essas linhas quase filosóficas: ‘Deixe-me ir, preciso andar/Vou por aí a procurar/Sorrir pra não chorar’. Caso seja um leitor mais novo e não recorde de onde flertou com esta bela composição, refresco-lhe a memória: na primeira parte do filme Cidade de Deus (filme de 2002 de Fernando Meirelles), o personagem Cabeleira (Jonathan Haagensen) está fugindo em um táxi com a namorada grávida. O carro quebra, e ele é obrigado a empurrá-lo, tornando-se vulnerável à polícia que procurava os integrantes de uma pequena quadrilha que ele fazia parte. Lembrou? Quando começam os disparos da polícia, entram os primeiros acordes de “Preciso Me Encontrar”, terminando em um take contra-plongée que simboliza o encontro do defunto com o divino, ou com o diabo, ou com uma entidade que não sabemos. Cartola é mero porta-voz da inefabilidade do destino, que nos escapa quando mais achamos que estamos controlando-o.
A sabedoria também joga a favor da arte de Cartola quando ele resolve ser excessivamente sentimental. “As Rosas Não Falam” só pode ser fruto de alguém que contempla a boniteza do simples há muito tempo. ‘Que bobagem as rosas não falam/Simplesmente as rosas exalam/O perfume que roubou de ti, ah!’.
Cartola, que cantava apenas o que é inerente à sua trajetória, também soube retratar a realidade dos morros de forma singela – como em “Ensaboa Mulata”, com participação deCreusa.
Outra das grandes lindezas do disco é a faixa de encerramento “Cordas de Aço”, ardor contemplativo de um dono ‘de violão que os dedos meus acariciam’ em relação ao objeto do canto – no caso, a mulher, o amor não correspondido, a mazela. Enfim.
O segundo trabalho homônimo de Cartola foi feito para emocionar numa intensidade ainda maior que o primeiro – também ótimo com clássicos como “Tive Sim”, “Disfarça e Chora” e “Alvorada”.
Depois deste álbum, o cantor da Mangueira ainda gravaria mais dois discos em vida: Verde Que Te Quero Rosa (1977) e Cartola 70 Anos (1978), antes de falecer em 30 de novembro de 1980 no bairro de Jacarépaguá, no Rio de Janeiro. Sua importância é tão unânime, que no dia de sua morte comemora-se o Dia do Samba em sua homenagem.
No entanto, não é apenas o gênero que define a grandiosidade de Cartola; e, sim, a sabedoria a favor dos sentimentos – ou aquilo que convencionamos chamar de ‘inteligência emocional’. Nesse assunto, Cartola é mestre supremo.

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