Estamos em mais um “momento Los Hermanos'', aquela época imprecisa em
que Camelo, Amarante, Bruno e Barba se reúnem para lembrar sua curta
discografia frente a milhares de devotos apaixonados em diferentes
cidades pelo Brasil. E sempre neste momento surgem aqueles dispostos a
esbravejar contra a existência da banda, como se quatro cariocas fazendo
um som fossem ameaçar a vida de alguém.
É impressionante como as
pessoas se incomodam com tudo – não apenas com os Los Hermanos -, quando
a única coisa que eles precisam fazer é não dar atenção para o que lhes
incomoda. É tão simples. Mas preferem esbravejar contra tudo e todos: o
último capítulo do seriado que todos assistem, o filme mais esperado, o
sucesso sertanejo da vez, o show transmitido pela televisão, E isso,
como qualquer coisa hoje em dia, é amplificado pela internet. Não
bastasse a grita do maniqueísmo ideológico desta década, que reduz tudo a
prós e contras, “o meu time contra o seu time'', e a histeria em torno
de qualquer assunto banal, ainda temos que aguentar resmungões que
desatinam textos enormes contra modismos e paixões apenas para juntar
likes e reunir outros reclamões nas caixas de comentários para repetir
variações de “é isso aí!''.
Pois o grupo carioca surgiu justamente
como uma antítese a esse pensamento de manada. Lá no fim dos anos 90,
quando ainda era um sexteto de rock que tocava para meia dúzia de gatos
pingados no Rio de Janeiro, eles tinham tudo para dar errado: eram uma
banda de rock numa cidade cuja cena de rock se desfazia, cantando letras
românticas sobre bases hardcore, tentando achar um meio termo entre
Weezer, Mr. Bungle e Nelson Cavaquinho, olhando para o mangue beat como
inspiração para recriar uma música carioca que fosse ao mesmo tempo
moderna e reverenciasse as tradições da cidade. Eles tinham um
saxofonista na formação! Enquanto o Rio de Janeiro reinventava-se à base
de funk carioca, Fausto Fawcett e Fernanda Abreu, deixando para trás
todo o bucolismo praiano da bossa nova, os Hermanos tentavam achar um
fio da meada entre o apartamento de Nara Leão e o selo indie Midsummer
Madness, entre o início das escolas de samba e o então decadente
carnaval de rua da cidade.
Ninguém apostaria que a banda daria
certo – tirando eles mesmos. E aquela convicção começou a arregimentar
curiosos, que aos poucos viravam fãs e começavam a espalhar a notícia no
boca a boca. Logo seus shows começavam a encher a ponto de chamar
atenção das gravadoras, que ainda não tinham sucumbido à era do MP3. O
grupo lançou seu primeiro disco em 1999 após criar expectativas com duas
fitas demo e conseguiu alguma repercussão logo de saída. Mas foi a
simplicidade Jovem Guarda de uma das músicas menos cotadas do disco de
estreia (“Anna Julia'', claro) que pegou outros artistas de jeito e a
música logo era sucesso no repertório dos trios elétricos baianos que,
começando a viver mais uma crise sazonal da axé music, se ancoraram no
hit carioca para bombar o primeiro carnaval dos anos 2000.
Qualquer
outra banda surfaria naquela onda de sucesso, mas os Hermanos não
estavam querendo só fazer sucesso. A banda havia sido formada para fugir
da mesmice e agora via-se pautando a própria mesmice da vez. A
principio tirou a música do repertório dos shows, mas o sucesso acendeu a
luz amarela para a banda e eles se retiraram em um sítio para compor o
novo disco – preocupados em não virar caricaturas de si mesmos.
E
lançaram três discos que mudaram a cara do pop nacional. Se você acha
que o cenário musical brasileiro se afunila na versão hi-fi do funk
carioca e no sertanejo que aprendeu o modus operandi da axé music (isso é
sinal que você está ouvindo rádio demais e assistindo muita TV), saiba
que este cenário seria bem mais agressivo caso os quatro cariocas não
tivessem fugido do sucesso e criado o oásis para seus fãs composto por O
Bloco do Eu Sozinho (2001), Ventura (2003) e 4 (2005). Foi essa
trilogia de discos que preparou o terreno para que artistas como Céu,
Tulipa Ruiz, Marcelo Jeneci, Tiê entre outros, pudessem florescer,
reunindo diferentes linhas de frente da nova música brasileira, como a
geração pernambucana pós-mangue beat, o rock gaúcho e o rap menos
gangsta. Até o lado mais experimental desta cena foi contemplado, quando
grupos como Hurtmold e Cidadão Instigado foram convidados para abrir os
shows da banda. Se o Los Hermanos não tivesse se voltado para o samba,
para uma tradição brasileira e para o que eles realmente queriam fazer, o
pouco que haveria sobrado do rock nacional seria um misto de viúva dos
anos 80 com um arremedo dos anos 90, uma mistura de Capital Inicial com
Charlie Brown Jr. com saudades da MTV Brasil.
Mas essa separação
de gêneros musicais é secundária. O grande legado do grupo foi ter
criado seu próprio canto, seu porto seguro musical inclusive do ponto de
vista da sobrevivência comercial da banda – ela não precisa mais estar
na ativa, lançar discos todos os anos ou entrar em turnês constantes
para pagar as contas. Cada um deles segue sua vida fazendo o que quer
até a hora em que se juntam para reencontrar os fãs – sem nunca ter que
terminar com a banda nem perder a amizade. Eles não voltam a tocar no
rádio e não precisam aparecer na TV – continuam fazendo o que querem,
para alegria de seus fãs. Podem até, se quiser, gravar um disco de
inéditas – carta na manga que devem estar guardando para o momento
exato. Mas mostram que não precisam estar na crista da onda o tempo
todo, insistindo em aparecer, em todos os lugares, entupindo nossa visão
com músicas e imagens.
Quem faz isso são seus fãs. E se você não
gosta nem do grupo nem de seus fãs, talvez possa aproveitar ao menos uma
lição deixada pelo grupo: deixa pra lá.
OBS do Chico Águas: É inegável a relevância e a qualidade da Banda. Porém ficar reunindo sem material novo, apenas tocando músicas antigas (mesmo sendo belas canções), a banda cada vez mais fica parecida com uma banda de auto cover!
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