segunda-feira, 25 de abril de 2016

“Recato” de Marcela, descrito por Veja, não é por acaso; mudez será necessária à retirada de direitos das mulheres por Michel Temer

“Recato” de Marcela, descrito por Veja, não é por acaso; mudez será necessária à retirada de direitos das mulheres por Michel Temer

por Luiz Carlos Azenha (www.viomundo.com.br)
O Brasil tem 100 milhões de mulheres. As militantes políticas são minoria e se concentram nas grandes metrópoles.
A imensa maioria ainda está “em disputa” entre os que pregam a derrubada de Dilma Rousseff e os que entendem que a eleição dela foi uma grande conquista de todas as brasileiras.
É preciso contextualizar.
Em 2010, o então presidente Lula pretendia fazer o sucessor. Na ordem “natural” de uma sociedade machista, conservadora e hierarquizada, uma mulher poderia enfrentar resistência em certas camadas do eleitorado, o que resultou no marketing bizarro segundo o qual o Pai Lula transferiria o poder à Mãe Dilma.
Foi o jeito que os marqueteiros petistas encontraram de atravessar o imenso fosso cultural que separa o Brasil metropolitano — onde as mulheres trabalham fora e são economicamente independentes — dos interiores, onde as mulheres trabalham muitíssimo, em casa ou fora, mas ainda vige fortíssima a ideia do todo-poderoso “pai de família”, ou “homem de bem”.
Mãe Dilma não tinha nada de ameaçadora. Seria apenas a continuidade de Lula, como zeladora da família.
Para os conservadores, melhor assim que apresentá-la como a guerrilheira que trocou de marido na clandestinidade, uma autonomia chocante para os padrões brasileiros de recato feminino.
De militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) à Mãe do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento, assim operou o marketing petista.

Recebi a indicação dos vídeos que reproduzo acima.
São resultantes do debate que se instalou desde que a revista Veja definiu a futura primeira dama Marcela — ainda que por apenas 180 dias, se o Senado aceitar por maioria simples a abertura de processo contra Dilma — como “bela, recatada e do lar”.
Fabiana Bertotti diz que provavelmente não haveria tantas críticas se fossem outros os adjetivos atribuídos a Marcela Temer. Sustenta que é direito de uma mulher ser recatada e do lar. Faltou acrescentar que, sim, desde que esta seja uma escolha da mulher, não um papel socialmente definido por homens.
Tanto ela quanto Marcia Tiburi contextualizam o significado da reportagem na atual conjuntura política, mas de forma insuficiente.
RECATO
Marcela não é apenas utilizada por Veja como um aparato para vender um vice insosso ao mercado. Ela é sutilmente apresentada como a anti-Dilma.
Marcela é a advogada que nunca exerceu a profissão, expressão no imaginário popular — o que não é necessariamente verdade no caso dela — da mulher que se preparou para casar e que reconhece o papel de subordinação ao marido.
Já Estela, trocou Lobato por Max na clandestinidade!
Estela (Dilma) teve de fugir às pressas de Belo Horizonte, desfazendo na prática o casamento com Lobato (Cláudio Galeno de Magalhães Linhares). Apaixonou-se por Max, Carlos Franklin Paixão Araújo, com quem teve a filha Paula.
Ou seja, Dilma exercia sua plena autonomia afetiva e sexual como mulher já nos anos 70.
BELEZA
A Marcela de Veja restaura em parcela significativa do eleitorado a “esperança” de que a mulher voltará a cumprir o papel de confirmar a vitalidade do governante.
Diferentemente de Ruth Cardoso e Marisa Lula da Silva durante o governo de seus maridos, Marcela é a jovem fértil que, segundo a reportagem, “tem o sonho de dar a Temer uma filha”.
Esta subordinação física da mulher a um “bem maior”, mesmo que indesejada pelo casal Temer, é o sonho de milhões de “homens de bem”.
Dilma assumiu a Presidência da República desfilando com a filha Paula, sem um falo aparente ao lado, como definiu uma professora de Minas Gerais que destaca o papel do machismo no golpe em andamento.
MARCELA, A RESTAURADORA
Ainda que Marcela não deseje este papel, é nele que a sociedade machista pretende enquadrá-la: restauradora do papel subordinado da mulher.
Veja foi apenas o veículo do “recado”.
Não é um fenômeno novo, nem que se restrinja ao Brasil: a reação dos homens à repentina mobilidade social, autonomia física e protagonismo social das mulheres é apontada como um dos motivos para a onda de estupros na Índia, país que passou por intensa migração do campo para a cidade.
O fenômeno mexeu tão repentinamente com o papel social das mulheres — que tiveram acesso a trabalho e educação fora do controle de pais, maridos e parentes  — que a falocracia tentou restaurar a ordem com violência sexual. É uma tese que merece ser estudada.
No Brasil, houve uma revolução silenciosa desde o fim da ditadura.
Lula e depois Dilma entregaram os cartões do Bolsa Família às mulheres da casa, assim como priorizaram as mulheres na entrega dos títulos de propriedade dos imóveis do Minha Casa, Minha Vida.
As mudanças não devem ser creditadas a eles: resultaram do acúmulo de forças da atuação política das mulheres antes, durante e depois da ditadura militar, com direitos inscritos na Constituição de 1988.
Ainda assim, o Brasil mudou muito menos do que deveria: a representação feminina no Parlamento, de pouco mais de 10%, é muito inferior inclusive a de paises que os brasileiros, logo eles, consideram “machistas”.
Registre-se que na votação da abertura do processo de impeachment, o “sim” não obteve os dois terços necessários entre as deputadas: foi 29 a 20, com uma ausência e uma abstenção.
Diante das estatísticas acima, a falta de protagonismo de Marcela, traduzida como “recato”, é talvez o aspecto mais significativo da reportagem de Veja: ela será a primeira-dama que pode até influir nos bastidores, mas sem a voz pública, autônoma, capaz de convocar outras mulheres à mudança social.
Num período em que se antevê a adoção de políticas econômicas e sociais regressivas pelo marido, não é por acaso que Marcela foi apresentada como “potencialmente grávida”, preocupada com o lar e o bem estar acima de tudo da própria família.
Assim, ela poderá apenas assistir quando o marido “for obrigado”, em nome dos “homens de bem”, a mexer com os aumentos do salário mínimo, elevar a idade da aposentadoria e manipular programas sociais para retirar direitos. Tudo isso afetará enormemente as mulheres.
Para Veja — e os que querem substituir Dilma por Temer — faz sentido reduzir Marcela à mudez de quem se preocupa apenas com a próxima consulta no dermatologista.

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