Psicólogo do esporte rebate Dunga: "Ignorância total sobre o assunto"
Considerado referência, doutor Renato Miranda classifica como rasa a declaração
do treinador sobre utilização de psicólogos na Seleção: "Precariedade intelectual"
Por Leandro ColaresJuiz de Fora, MGwww.globoesporte.com
Durante o evento "Somos Futebol", realizado pela CBF
ao longo desta semana, Dunga criticou a utilização de psicólogos na seleção
brasileira. Para o técnico, o jogador que chega após muitas horas de viagem não
vai "abrir o coração para alguém que ele nem conhece". Ainda segundo
ele, o atleta pode ter dúvidas até sobre a manutenção da confidencialidade do
que diz: "Será que ele (psicólogo) vai contar para o dirigente? Será que
ele vai contar para o treinador?" Polêmica, a declaração do treinador
ecoou mal entre especialistas na ciência que estuda o comportamento e as
funções mentais.
Doutor em Psicologia do Esporte
pela Universidade Gama Filho, autor de dois livros a respeito do tema e uma das
principais referências sobre o assunto no país, o professor da Universidade
Federal de Juiz de Fora (UFJF) Renato Miranda fez críticas pesadas às opiniões
de Dunga. Para ele, a fala do técnico da Seleção demonstra desconhecimento do
assunto.
– Pelo que lemos, o
problema é a ignorância total sobre o tema. A crítica que ele faz não é da
Psicologia do Esporte. Ele confunde Psicologia Clínica, ou algo próximo disso,
com Psicologia do Esporte. Quando o Dunga diz isso e ainda dá suporte a
essa ignorância afirmando que ele é autêntico e sincero, desculpe-me, mas isso
não tem nada de autenticidade. Nem de sinceridade. Isso na verdade serve como
um escudo para proteger a ignorância que a pessoa tem sobre determinado
assunto, e por ter um ego muito forte, ser um ególatra, essa pessoa não
consegue discernir a ignorância de um tema da sua própria capacidade de julgar
algo que desconhece. Eu sou ignorante em vários temas, como Física Quântica,
por exemplo. Aí eu vou dizer que Física Quântica é bobagem? – criticou.
Renato explicou por que a declaração de Dunga dá a entender que
o treinador confunde temas diferentes.
– O psicólogo do esporte vai
ajudar o atleta a não tomar um gol no primeiro minuto de jogo porque está
desmobilizado, a controlar a ansiedade para não ficar em impedimento, por
exemplo. Ele (Dunga) sequer sabe o que é um treinamento psicológico. Se algum
atleta tiver algum distúrbio psicológico, vai se tratar com um psicólogo
clínico. É a mesma coisa que eu criticar o jornalismo esportivo falando de
jornalismo político. Você vai achar que eu estou doido – disse.
Renato Miranda afirmou ainda
que compreende a opinião do técnico da Seleção, mas fez uma ponderação. Para o
doutor em Psicologia do Esporte com especializações na Alemanha e na Rússia,
Dunga deveria procurar se informar.
– A discussão do Dunga tem
eco porque ele é o técnico de uma das melhores seleções de futebol do mundo. Só
que é de uma precariedade intelectual de dar dó. Eu até entendo essa posição do
Dunga pelo seguinte: na Seleção já passaram psiquiatras, ditos especialistas em
autoajuda, em motivação, alguns psicólogos que não entendem nada de psicologia
do esporte. Ou psicólogos que entendem de psicologia do esporte, mas não
conseguiram, por um motivo ou por outro, fazer um grande trabalho. Então isso
não me surpreende, a imagem que o sujeito tem é muito negativa. Mas acho que as
pessoas deveriam procurar estudar. Os anos vão passando, e as pessoas continuam
dizendo bobagens, coisas de ordem precária, ignorante em relação ao assunto,
tratando as questões de uma maneira rasa, simplista, bruta, vergonhosa –
afirmou.
"TÉCNICO
FALHO"
O doutor em Psicologia do
Esporte detalhou como é a aplicação do conhecimento nos treinamentos. Ele
explicou que, atualmente, o psicólogo da área deve atuar juntamente à comissão
técnica, no campo, auxiliando os atletas para que eles aprimorem o rendimento a
partir do desenvolvimento cognitivo.
– Pergunte a qualquer
atleta, de qualquer esporte, pode ser até amador: você acha que se houvesse um
treinamento para melhorar sua capacidade de ficar concentrado para bater um
pênalti, por exemplo, ou durante uma jogada de ataque, se melhorasse a sua
concentração, isso seria importante? Você acha que se você aprendesse uma
técnica para controlar a ansiedade antes de uma disputa de pênaltis seria
bom? Por exemplo, o treinamento tático tem um componente psicológico muito
forte, que é o componente cognitivo, ligado à percepção, aos focos de atenção,
às demandas da concentração. Mas se o sujeito não sabe quais os elementos que
compõem a concentração e a importância disso para o jogo, então ele é um
técnico falho – rebateu.
Para Renato Miranda, passagens recentes da seleção brasileira
revelam que há problemas na preparação psicológica dos jogadores. Ele afirmou
que é preciso aprender com o que é praticado mundo afora.
– Diversos países fazem isso em
vários esportes. Temos que ter discernimento para ver o que está acontecendo.
Por isso que atleta fica chorando igual criança na hora do hino, em vez de
estar feliz por estar participando de uma Copa. Por isso que na hora do pênalti
fica tremendo e chorando – disse.
O professor universitário
relatou ainda que a própria figura do técnico também precisa de acompanhamento
do profissional.
– A preparação psicológica
não é atrelada apenas ao jogador, mas ao técnico também. Como o técnico tem de
controlar a ansiedade e o estresse dele quando está no banco, para pensar
melhor como chamar a atenção de um jogador ou de outro de maneiras adequadas a
cada um, como lidar com a imprensa, com os torcedores – explicou.
FORMAÇÃO DOS ATLETAS
Para o profissional, um dos problemas associados a esse despreparo
está na formação do jogador brasileiro. Renato Miranda acredita que a formação
dos atletas foca apenas nas partes técnica, tática e física, enquanto a
psicológica, tão importante quanto as outras, segundo ele, fica de lado.
– As questões cognitivas,
mentais e emocionais, que são a matriz do conhecimento da Psicologia do
Esporte, são inerentes a qualquer formação de atleta desde a iniciação, como as
preparações física, técnica e tática, como força, velocidade, agilidade,
resistência. Essas são habilidades físicas, mas também existem habilidades psicológicas,
como motivação, capacidade de desenvolvimento da automotivação, controle do
estresse, percepção. A coordenação, a força, a velocidade, a resistência,
o atleta não treina desde sempre? Então, a parte psicológica também tem de ser
assim. Treinar a automotivação, autodisciplina, concentração, desde sempre.
Agora, de maneira geral, nosso atleta é muito mal formado – opinou.
Na opinião de Renato Miranda, os próprios treinadores também
deveriam ter mais conhecimento de Psicologia do Esporte para desenvolver as
equipes.
– Seria ótimo se o técnico
tivesse o conhecimento, porque o jogador confia mais. Assim, o treinador
poderia passar tarefas para ele fazer no período em que está no clube,
associando treinamentos de ordens física, técnica e tática às questões
psicológicas. Não dá mais para separar. Está intimamente ligado – disse.
Consultor esportivo do Vôlei
Juiz de Fora na Superliga masculina, Renato Miranda afirma que a psicologia
pode ajudar os atletas até mesmo na difícil hora da
aposentadoria, quando deixam de competir em alto nível e buscam
outras alternativas para não se sentirem parados. Segundo ele, a valorização do
aspecto psicológico é algo elementar e refletiu sobre os resultados recentes da
Seleção.
– Hoje, se um jovem
profissional do esporte, ainda no início de carreira, chegar a um clube ou a
qualquer instituição e falar que as questões psicológicas são bobagens e não
servem para nada, ele está despedido, de tão elementar que é. Talvez seja por
isso que o Brasil já perdeu várias Copas que poderia ter ganhado – finalizou.