Feudalismo carcerário: guerra contra as facções para encobrir controle social
A reportagem acima foi ao ar em dezembro de 2013, ANTES do início da matança em Pedrinhas que ganhou o noticiário nacional
por Luiz Carlos Azenha
Nos Estados Unidos há quase um consenso entre conservadores e
liberais de que é preciso acabar com o encarceramento em massa. Isso
está expresso no notável documentário Emenda 13, da Netflix (e, de forma mais restrita, no documentário Where to Invade Next, do Michael Moore, acima).
Já são mais de 6,5 milhões de pessoas nos presídios estadunidenses.
Uma farra para a privataria das cadeias a quem, como em Manaus,
interessa prender mais, cada vez mais (havia três vezes mais presos que a
capacidade do regime fechado na capital amazonense, a R$ 5.700,00 por
preso/mês).
Umanizzare, portanto — o nome da empresa que ganhou a licitação no
Amazonas e em Tocantins, sem competidores, por 27 anos, ampliáveis para
35, significa humanizar — é uma piada trágica e grosseira.
A chance de um jovem negro ser encarcerado nos EUA é de 1/3. De um
jovem branco, 1/17. Os homens negros representam pouco mais de 6% da
população dos Estados Unidos, mas 40% da população carcerária.
A guerra contra os negros e pobres, lançada como “guerra contra as
drogas” por Richard Nixon, nos anos 70, foi uma reação à campanha pelos
direitos civis.
No Brasil, nem isso houve: o genocídio da juventude negra nas
metrópoles é extensão pura e simples do chicote dos 300 anos da
escravidão, com as PMs fazendo agora o papel que antes era dos capitães
do mato.
Mas, por que nada vai mudar no Brasil, que já tem quase 700 mil presos, 40% deles temporários, ou seja, sem condenação formada?
Porque não interessa. Ou interessa a muito poucos.
As facções praticam uma espécie de feudalismo penitenciário. Ao mesmo
em que organizam os presos por direitos básicos, negados pelo Estado
criminoso e violador da Constituição, as facções escravizam as famílias
dos presos. Pais, tios, irmãos, primos e filhos.
São, portanto, por baixo, 5 milhões de brasileiros sujeitos ao poder
delas: contribuem com dinheiro, com serviços ou compram facilidades para
os parentes que estão dentro do sistema. Compram comida para que não
adoeçam, água, drogas, celulares, roupas… há um gigantesco comércio
clandestino nos presídios brasileiros.
E os agentes do Estado? Quando não se calam, por medo, muitos deles
são coniventes ou lucram com os esquemas acima citados. Não houve uma
única reportagem sobre presídios que eu tenha feito na qual não
identifiquei um agente de Estado envolvido nos esquemas que beneficiam
as facções.
Fora das cadeias, é óbvio o envolvimento de policiais civis e
militares, sem falar de gente de outras esferas, na partilha ou
participação nos gigantescos lucros do tráfico e do consumo de drogas.
Finalmente, há as empresas da privataria dos presídios, cujo
interesse econômico direto é não só pelo encarceramento em massa, mas
pela venda da mão-de-obra quase gratuita dos presidiários e pela venda
de serviços aos presos e a suas famílias. São, nesse sentido,
competidores de facções como o PCC, que organiza as viagens de
familiares a cadeias distantes no estado de São Paulo, por exemplo.
Uma das soluções óbvias para o fim do encarceramento em massa nos EUA
é descriminalizar as drogas, o que o mundo civilizado vem abraçando de
forma crescente.
No Brasil, o governo que promete esvaziar cadeias é o mesmo que
aprofunda a desigualdade social, cortando direitos. E o ministro que
comanda o debate quer eliminar os pés da maconha de um continente
inteiro à base do facão!
A diferença entre Estados Unidos e Brasil, neste caso específico, é
que há uma gigantesca massa de brasileiros desinformados que não quer
qualquer solução para os problemas do sistema prisional, mas torce
apenas para que os presos se matem nas cadeias e exibam os vídeos nas
redes para satisfação do desejo de vingança pessoal.
Tudo indica que as empresas dos Estados Unidos, cujos lucros no ramo
agora correm risco, busquem mercados fora de lá — e o Brasil é um
destino evidente.
Portanto, aqui, podem esperar: a “guerra contra as facções
criminosas” será apenas mais uma faceta de nossa antiga guerra contra os
pobres, com remessa de lucros aos estrangeiros que nos venderem “novas
tecnologias” de controle social — de câmeras de segurança a
tornozeleiras, de pistolas de choque a sistemas de monitoramento à
distância.
Nenhum comentário:
Postar um comentário