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domingo, 30 de outubro de 2016
sexta-feira, 28 de outubro de 2016
Patrick Mariano: Enquanto as vítimas eram petistas, Gilmar e Renan se calaram. Mas o Estado policial não tem limites, eles podem até ser os próximos
Patrick Mariano: Enquanto as vítimas eram petistas, Gilmar e Renan se calaram. Mas o Estado policial não tem limites, eles podem até ser os próximos
www.viomundo.com.br
por Conceição Lemes
Na última segunda-feira (24/10), em menos de 24 horas o juiz Sérgio Moro, os procuradores da Lava Jato e os delegados da Polícia Federal (PF) receberam estocadas de quem provavelmente não esperavam.
Primeiro, de Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitor (TSE).
Em entrevista à Folha de S. Paulo, ao ser questionado sobre as reações do Judiciário, inclusive de Moro e dos procuradores da Lava Jato, contrao projeto de lei do senador Renan Calheiros (PMDB/AL), que endurece as punições para autoridades que cometem abuso de poder, Gilmar foi contundente:
“Parece que eles imaginam que devam ter licença para cometer abusos! O projeto é de 2009 e não trata exclusivamente de juízes e de procuradores, mas sim de todas as autoridades: delegados, membros de CPIs, deputados. Tanto que a maior resistência à proposta partiu de delegados de Polícia Civil na época. Por isso o projeto ficou tanto tempo arquivado.
Agora, nós temos que partir de uma premissa clara: a definição de Estado de Direito é a de que não há soberanos. Juízes e promotores não são diferentes de todas as outras autoridades e devem responder pelos seus atos”.
“(…) a Lava Jato tem sido um grande instrumento de combate à corrupção. Ela colocou as entranhas do sistema político e econômico-financeiro à mostra, tornando imperativas uma série de reformas.
Agora, daí a dizer que nós temos que canonizar todas as práticas ou decisões do juiz Moro e dos procuradores vai uma longa distância.
É preciso escrutinar as decisões e criticar métodos que levam a abusos”.
Na segunda-feira à tarde, foi a vez do senador Renan Calheiros, presidente do Congresso Nacional:
“A Lava Jato é sagrada, ela significará sempre avanços para o país, mas não significa dizer que não podemos comentar seus excessos, e comentar excessos não significa conspiração”
Foi durante coletiva de imprensa, onde anunciou que ingressaria no STF com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), em razão da Operação Métis no Senado, deflagrada na sexta-feira (21/10) pela PF.
Na ocasião, quatro policiais do Senado foram presos. A operação foi autorizada pelo juiz federal Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília.
Segundo Renan, o objetivo da ADPF é definir “claramente” a competência dos poderes:
“A submissão ao modelo democrático não implica em comportamentos passivos diante de excessos cometidos por outros poderes. Pedimos para fixarmos claramente os limites dos poderes, porque um juizeco de primeira instância não pode a qualquer momento atentar contra um poder. Mandado de busca e apreensão no Senado só pode se fazer por decisão do Supremo Tribunal Federal”.
“Mais do que nunca é preciso defender os valores democráticos. Esse é meu dever. É por isso que estou repelindo essa invasão [a operação da PF], da mesma forma que repeli todos abusos praticados contra o Senado Federal sob a minha presidência”.
“A nossa trincheira tem sido sempre a mesma: a justiça, o processo legal. Sem temer esses arreganhos, truculências, intimidação. Eu tenho ódio e nojo de métodos fascistas, por isso cabe a mim repeli-los”.
A presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, reagiu:
“Todas as vezes que um juiz é agredido, eu e cada um de nós juízes é agredido. E não há a menor necessidade de, numa convivência democrática, livre e harmônica, haver qualquer tipo de questionamento que não seja nos estreitos limites da constitucionalidade e da legalidade”.
Há muito tempo especialistas denunciam os abusos da Lava Jato e a exacerbação do Estado policial no País.
A novidade é o fato de as elas terem partido de Gilmar Mendes e Renan Calheiros.
Daí esta entrevista com Patrick Mariano, severo crítico do Estado policial brasileiro. Ele é mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB).
Viomundo — No início da semana, em menos de 24 horas, o ministro Gilmar Mendes e o senador Renan Calheiros se insurgiram contra os abusos praticados pela PF, Ministério Público e Judiciário brasileiro. Gilmar, citando especificamente os procuradores da Lava Jato. Renan, a ação da PF no Senado, prendendo quatro policiais legislativos. O que achou do diagnóstico do ministro?
Patrick Mariano — A lucidez dele é efêmera. De repente, tem um insight e se dá conta de que existe um Estado policial. Em outros momentos se cala diante do arbítrio ou contribui para que ele prevaleça. Geralmente, sua lucidez está ligada à proteção da sua classe social e daqueles com os quais compartilha afinidades ideológicas. Mas alguns pontos do diagnóstico dele estão corretos.
Viomundo — O que destaca?
Patrick Mariano – Primeiro, a crítica ao absurdo que é servidores públicos, como o são os juízes, procuradores e delegados da Lava Jato, se colocarem contra o projeto que pune o abuso de autoridade.
Ser contra o projeto é quase uma confissão da prática de crime. Se você examinar as ilegalidades dessa operação, tanto de método quanto de concepção, talvez seja possível entender a resistência. A Lava Jato é uma fonte inesgotável de arbitrariedades.
O segundo ponto que destaco é a crítica às prisões preventivas da operação, todas ilegais.
Viomundo — Por que ilegais?
Patrick Mariano — Porque buscam atender a outra finalidade que não resguardar o processo penal.
Viomundo — Por que estão contra o projeto?
Patrick Mariano –Talvez justamente porque pratiquem abusos e ilegalidades reiteradas.
Viomundo — Daria pra exemplificar algumas ilegalidades, arbitrariedades?
Patrick Mariano –São tantas que passaríamos horas conversando. Mas destaco a jurisdição universal que parece ter Sérgio Moro. Ele julga fatos que não são de sua competência. Determina prisões ilegais e conduções coercitivas para satisfazer a chamada “opinião pública” ou publicada, como diz o advogado criminalista Nilo Batista.
O ato de ilegalmente determinar a interceptação telefônica da presidenta da República, Dilma Rousseff, e, depois, divulgar esse conteúdo para a Rede Globo, sem ter competência para tanto, fala por si.
Viomundo – Até censura a um colunista da Folha o juiz Moro já tentou…
Patrick Mariano — Sim, pois é. Ao invés de responder racionalmente ao artigo do físico e professor Rogério César de Cerqueira Leite, Moro preferiu questionar a publicação, como se tivesse investido de poderes de um soberano. Até estranhei a reação dele. Imaginei que Savonarola fosse um exemplo intelectual, uma referência de método empregado na operação.
Viomundo — O Renan ingressou no STF com uma ADPF por conta da operação da PF no Senado. O que acha?
Patrick Mariano – Se nós vivêssemos num momento de respeito à Constituição e de segurança jurídica, isso não seria necessário. Mas como não estamos, acho bastante importante. Servirá para questionar possível violação, a separação entre os poderes e a autoridade do juiz de primeiro grau que determinou a ação.
Viomundo — O juiz que expediu o mandado para a PF prender os policiais legislativos poderia legalmente fazer isso ou extrapolou?
Patrick Mariano — Os policiais legislativos agiram de ofício? Não, cumpriam ordens de senadores. Bom, o juiz resolveu somente investigar a conduta desses servidores e não a dos senadores, não é estranho?
Foi um passa-moleque na competência do Supremo Tribunal Federal.
Ao que tudo indica fazer varreduras está dentro da competência da Polícia Legislativa — eu acho um erro tremendo a ampliação do poder desses grupos — mas está lá.
Então, na verdade, foi uma ação provocadora da PF e do juiz de primeiro grau para questionar a autoridade do Senado. Para amedrontar e demonstrar poder.
Viomundo — Provocação ao Senado a troco de quê?
Patrick Mariano — Para exibir poder, criminalizar o exercício da política e amedrontar o Poder Legislativo. Há muito tempo a Polícia Federal se tornou um partido político. Agora, os procuradores da República querem legislar e juízes de primeiro grau desafiam, sem receio, a autoridade dos tribunais.
Viomundo — Não seria uma provocação também ao próprio STF?
Patrick Mariano –Sem dúvida. Aliás, juízes de primeiro grau impediram nomeações de ministros por parte do Presidente da República e o STF nada fez. Penso que o STF se tornou mera franquia de uma Vara Federal. Não resguarda a Constituição e assiste impassível à retirada da sua autoridade por juízes de primeiro grau.
Viomundo — O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, disse que a PF estava correta, foi dentro da legalidade. E aí?
Patrick Mariano — O ministro da Justiça se tornou um mero porta-voz da Polícia Federal sem curso de Jornalismo nem media training.
Viomundo — A defesa que a ministra Cármem Lúcia fez do “juizeco” procede?
Patrick Mariano –Digamos que a manifestação da ministra não está à altura do cargo que ocupa. Ora, como presidente do STF e diante de reiterados ataques ao STF e à Constituição da República de 1988, ela deveria ter outra postura. O cargo exige que aja no sentido de defender a autoridade do tribunal e não só criticar, assim como determinar a apuração de abusos de autoridade praticados por juízes.
Viomundo — Está dizendo que a Constituição e o STF estão sendo atacados e ela tem ficado quieta?
Patrick Mariano — Quieta não, é pior do que isso. Ela tem aquiescido e batido palmas, como fazem aqueles colunistas da Globo News naqueles debates de fim de tarde.
Viomundo — Que ataques o Supremo tem sofrido?
Patrick Mariano — Juízes de primeiro grau agem e decidem como se fossem ministros do STF, ou seja, violam regras básicas de competência. Isso gera um quadro de completa insegurança jurídica.
Viomundo — É impressão minha ou os juízes estão se achando deuses, estão acima de tudo e todos, portanto não passíveis de críticas?
Patrick Mariano – Infelizmente, a estrutura do Poder Judiciário brasileiro ainda não se adaptou ao regime democrático. Possui práticas quase monárquicas. Até pouco tempo as sessões das provas orais dos concursos de juízes eram secretas e são vários os relatos de candidatos e candidatas reprovados por machismo e idiossincrasias de desembargadores.
Não há transparência nos gastos, muitos juízes recebem acima do teto do funcionalismo e quando praticam crimes têm como pena a aposentadoria com vencimento integral.
Viomundo — Por que só agora Gilmar e Renan estão chiando, considerando que os abusos vem sendo cometidos há um bom tempo?
Patrick Mariano — Lembra um pouco a situação do morador de bairro alto diante de uma enchente. O rio começa a subir, mas até então as casas alagadas estão distantes.
Enquanto as vítimas do Estado policial eram petistas, foi conveniente se calar diante do arbítrio. O ledo engano de Gilmar e Renan é que o Estado policial não tem limites, uma vez instaurado não há como conter. As próximas vítimas podem até ser eles.
Aliás, em alguns casos o ministro Gilmar até incentivou esse estado de coisas, como quando impediu a posse do ex-presidente Lula como ministro-chefe da Casa Civil. Ou seja, penso que acordaram um pouco tarde demais.
Viomundo — Daria para sinalizar a partir de quando esses abusos começaram a ocorrer?
Patrick Mariano — São vários fatores. A criminalização da política foi estimulada pela grande mídia, executada por atores do judiciário, Ministério Público e Polícia Federal e se tornou um instrumento, talvez o principal, de partidos que queriam “retirar do poder” o PT.
Basta lembrar a ação penal 470, o chamado mensalão, e programas como CQC e o colunismo do ódio. Junto com isso, a inocência da gestão petista, que permitiu a ampliação legislativa do Estado policial sem qualquer contraponto crítico.
E, por fim, a ascensão política de jovens procuradores e juízes fabricados do dia para a noite, como personalidades públicas, porque se tornaram verdugos de inimigos políticos. O problema é que soltaram um monstro e agora não sabem como colocar de volta na jaula.
Viomundo — Você diz: “inocência da gestão petista que permitiu a ampliação legislativa do Estado policial sem qualquer contraponto crítico”. Explique melhor.
Patrick Mariano — A gestão da presidenta Dilma foi responsável por não impedir o avanço legislativo do Estado policial. Muitas vezes foi até indutor da aprovação de leis de claro conteúdo protofascista e que permitem o arbítrio estatal, como a lei de organizações criminosas.
Viomundo — O PT apostou no republicanismo, que foi usado pelas corporações pra gestar o ovo da serpente?
Patrick Mariano — Sem ter tido qualquer projeto para o sistema de justiça, agora o PT é vítima de leis autoritárias que ajudou a criar. É uma triste ironia. Mistura de arrogância com inocência quanto à luta de classes e quanto ao papel do Estado.
Viomundo — Isso aconteceu tanto nos governos Lula e Dilma? Pelo o que eu li, foi o Tarso Genro, por exemplo, que descentralizou a inteligência da PF, permitindo que, em cada se estado, ela fizesse o que bem quisesse.
Patrick Mariano — As gestões do PT no Ministério da Justiça foram muitos ruins e refletem a falta de uma visão estratégica para o sistema de justiça, com exceção do ministro Eugênio Aragão que, infelizmente, ficou pouco tempo. Tarso ainda foi firme na questão do Cesare Battisti, de resto as atuações foram pífias e patéticas.
Viomundo — Nós estamos vendo um aumento da criminalização dos movimentos sociais. Isso faz parte do Estado policial?
Patrick Mariano – Para os assim chamados debaixo — as classes mais pobres e os movimentos de cidadania e reivindicatórios — o Estado policial chegou há décadas. Mas os efeitos da sua ampliação nos últimos anos serão ainda mais nefastos.
A decisão do STF de desrespeitar o princípio constitucional da presunção de inocência fará com que os números do encarceramento em massa sejam ainda mais absurdos. Assim como a desastrosa política de gestão judiciária que restringiu enormemente a eficácia do habeas corpus.
Com o avanço de políticas neoliberais haverá protesto social e, para refreá-lo, o direito penal, ampliado pela equivocada gestão petista, servirá como instrumento poderoso.
Viomundo – Está se referindo à decisão do STF que possibilita a prisão em segunda instância?
Patrick Mariano — Sim, um horror aquele julgamento. Ali houve uma opção clara da Corte Suprema pelo punitivismo e pelo encarceramento em massa em total desrespeito à Constituição que assegura, sem limitações, a presunção de inocência.
Patrick Mariano — Como acabou eficácia do habeas corpus?!
Patrick Mariano — Por uma desastrosa decisão de gestão judiciária limitaram — e muito — o habeas corpus, instrumento histórico de defesa do cidadão contra o arbítrio estatal.
Viomundo — O que significa a ampliação do direito penal na gestão do PT?
Patrick Mariano – No poder, a esquerda não se deu conta de que a sua luta histórica é pela ampliação dos direitos e das garantias individuais. Flertou com o populismo penal e, agora, paga um trágico preço.
Patrick Mariano — Em que medida a lei antiterrorismo da presidenta Dilma está contribuindo para isso?
Patrick Mariana — É mais um equívoco legislativo tremendo. Centenas de organizações da sociedade civil pediram ao governo que retirasse esse projeto. Em vão. A lei foi aprovada cheia de erros e com artigos inconstitucionais. Na verdade, é mais um instrumento punitivo nas mãos de poder político.
Viomundo — Quais as consequências?
Patrick Mariano –Mais repressão.
Viomundo — O que a sociedade deve fazer?
Patrick Mariano — Os movimentos populares precisam se organizar cada vez mais. Além disso, denunciar e exercer a solidariedade. E, claro, refletir e procurar entender porque parte da esquerda, mesmo diante de inúmeros avisos, não se deu conta de que sua luta histórica é pela efetivação e ampliação dos direitos e não pelo seu sufocamento.
PS: Ontem, quarta-feira (26/10), após essa entrevista, houve a divulgação de que ONU aceitou a petição do ex-presidente Lula que denuncia as ilegalidades do sistema de justiça praticadas em seu desfavor e de sua família. Por isso, fiz hoje mais esta pergunta a Patrick Mariano:
Qual o significado ou possíveis reflexos da aceitação da denúncia do ex-presidente Lula pela ONU, evocando pactos e decisões das cortes internacionais?
Patrick Mariano — Se o sistema de justiça brasileiro não tem sido capaz de garantir os direitos e garantias fundamentais dos seus cidadãos, resta o pedido de proteção aos fóruns e organismos internacionais. Se consideramos que vivemos em um Estado policial, os efeitos são semelhantes às cartas que denunciavam a tortura na época da ditadura. Isso é importante porque fura a bolha e o conluio que existe entre a grande mídia brasileira e a inquisição de juízes e procuradores.
segunda-feira, 17 de outubro de 2016
Brics, o maior inimigo dos EUA e o motivo do Golpe no Brasil
Brics, o maior inimigo dos EUA e o motivo do Golpe no Brasil
Por Cibele Laura, de seu canal do youtube
O único inimigo do poder hegemônico do Império norte-americano e seus
associados é o Brics, bloco alternativo liderado por Brasil, Rússia,
China, Índia e África do Sul.
Há importantes pontos que o Brics
precisa acertar, um deles é se livrar do dólar, criando uma moeda em
comum para seus países membros e aliados. Tal feito é possível e está
próximo da conclusão, o que causa verdadeiro temor aos EUA.
De todos
os países, o Brasil é a presa mais frágil. O governo, que deu
continuidade na participação do país no bloco, do mesmo partido do
governo antecessor, responsável pelo comprometimento do Brasil ao
alinhamento em questão, sofreu um golpe articulado pelos EUA. Os EUA têm
todo interesse em boicotar a participação do Brasil no Brics
O governo ilegítimo e golpista, substituto ao governo de Dilma
Rousseff, já adentrou tomando medidas pró-Império, como destituir a lei
de partilha do pré-sal. Michael Temer, segundo fontes do WikiLeaks, é
informante de Washington
O
golpe é um show de ilegalidade, onde os acusadores estão envolvidos em
esquemas de corrupção. A presidente, embora não tenha envolvimento em
nenhuma esquema de corrupção e não tenha cometido crime algum, nem mesmo
de irresponsabilidade fiscal, foi impedida de governar.
O juiz,
protagonista da Operação Lava-Jato, teve treinamento pago pelo
departamento de Estado norte-americano. E a Operação, conhecida por
investigar a corrupção dentro da Estatal petrolífera brasileira, a
Petrobras, contou com informações cedidas pela NSA, após a espionagem
contra Dilma e altos cargos da Petrobras. A falta de imparcialidade
no processo de impeachment e, assim como, a mesma falta de coerência,
transparência e equidade no decorrer das investigações da Lava-Jato, são
provas da participação dos Estados Unidos no golpe de Estado no Brasil https:
A matéria citada no vídeo é da Sputink Brasil:
Comentário, edição e narração: Cibele Laura
quinta-feira, 13 de outubro de 2016
Hoje é o PT. E depois do serviço concluído?
da Carta Maior
Terminado o serviço sujo, o sistema judiciário manterá hiperpoderes para manter todo o resto do sistema partidário refém de sua vontade.
por Maria Inês Nassif
É um erro apontar para o PT e declará-lo o único grande derrotado da ofensiva conservadora que se utilizou da estrutura Legislativa e Judiciária para abater o petismo, quando este alçava pleno voo. A conspiração que resultou na deposição de uma presidenta da República, Dilma Rousseff, teve efeitos colaterais que atingiram de morte o sistema partidário brasileiro – e, junto, o poder que mais o representa, o Legislativo.
O Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal, que superdimensionaram seus poderes e se tornaram instrumentos não de garantia das leis, mas das condições “excepcionais” para a negação delas, sem encontrar grandes resistência dos partidos conservadores e dos setores de direita da sociedade e amparados pelo apoio da grande mídia, colocaram sob tutela todo o sistema político.
A jurisprudência urdida para colocar o PT na defensiva, prender petistas e seus aliados e preparar a futura prisão do maior líder político vivo do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, é a mesma que pode ser usada contra o presidente golpista Michel Temer e contra integrantes do seu partido, o PMDB, ou para atingir o PSDB do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Esses políticos, que fizeram parte da conspiração contra Dilma, e miram agora em Lula, não entenderam que não estão usando o MP, o STF, os juízes de primeira instância ou a Polícia Federal, mas são usados por eles. Não perceberam que essas instituições ganharam vida própria e hoje se sobrepõem à democracia. Sem usar forças militares, os partidos que conspiraram contra o PT e contra Dilma e Lula ajudaram a implantar um regime de exceção em que o sistema judicial é hegemônico.
O Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal, que superdimensionaram seus poderes e se tornaram instrumentos não de garantia das leis, mas das condições “excepcionais” para a negação delas, sem encontrar grandes resistência dos partidos conservadores e dos setores de direita da sociedade e amparados pelo apoio da grande mídia, colocaram sob tutela todo o sistema político.
A jurisprudência urdida para colocar o PT na defensiva, prender petistas e seus aliados e preparar a futura prisão do maior líder político vivo do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, é a mesma que pode ser usada contra o presidente golpista Michel Temer e contra integrantes do seu partido, o PMDB, ou para atingir o PSDB do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Esses políticos, que fizeram parte da conspiração contra Dilma, e miram agora em Lula, não entenderam que não estão usando o MP, o STF, os juízes de primeira instância ou a Polícia Federal, mas são usados por eles. Não perceberam que essas instituições ganharam vida própria e hoje se sobrepõem à democracia. Sem usar forças militares, os partidos que conspiraram contra o PT e contra Dilma e Lula ajudaram a implantar um regime de exceção em que o sistema judicial é hegemônico.
Incrustrados no aparelho de Estado e garantidos pelo direito à inamovibilidade, os integrantes das corporações envolvidas no golpe de Estado acumulam um considerável entulho institucional nas sucessivas decisões tomadas pelo STF, que relativizam os direitos constitucionais dos cidadãos brasileiros e corroboram violências do Ministério Público contra a Carta e a pessoa humana. Com isso, tratam de “legitimar” uma perseguição contra uma única força política e um golpe de estado que tornou-se parte dessa ofensiva. A partir disso, ações judiciais “excepcionais” se alastraram por todo o país.
É uma generalização da força bruta. Moro usa instrumentos ilegítimos que estão se vulgarizando na Justiça comum, com a condescendência do STF; os ministros da Suprema Corte têm seguidamente contestado decisões legislativas e imposto o seu parecer, desenhando uma Constituição nova, que não obteve a concordância dos membros do Congresso Nacional; a Polícia Federal, o Ministério Público e a força-tarefa da Operação Lava-Jato, onde Moro pontifica, têm atuado livremente para vazar informações, inclusive de escutas telefônicas, de forma seletiva, e firmar convicção de culpa antes mesmo do julgamento de investigados, invertendo o preceito constitucional de garantia de defesa e derrubando o direito do cidadão à privacidade. Recentemente, o STF decidiu “flexibilizar” outro direito constitucional e definiu condições para a PF invasão de residências sem mandato judicial, ampliando enormemente o poder das polícias.
Tornaram-se normais acusações feitas pelo Ministério Público sem nenhuma prova, apenas por presunção de culpa. E são frequentes os julgamentos sumários de Moro, que condena o réu apenas poucas horas após a apresentação da defesa As justificativas das condenações, não raro, trazem grave conotação política, são inconsistentes juridicamente e frágeis factualmente, mas acabam por se impor pela força sobre o Direito.
O hiperdimensionamento da burocracia Judiciária e do Ministério Público fez do PT e de Lula suas vítimas preferenciais, mas tornou qualquer partido, qualquer político e qualquer cidadão brasileiro atingidos potenciais de um sistema jurídico sem controle. A única diferença entre as delações que justificaram, na maioria das vezes de forma frágil, a incriminação ou condenação de petistas, e as que atingiram peemedebistas, tucanos e políticos de outros partidos, é que houve uma decisão deliberada do MP e da Justiça de condenarem apenas as forças ligadas ao governo petista. No mesmo saco de maldades das investigações do MP e da PF sobre a Petrobrás, todavia, convivem denúncias muito mais sérias atingindo companheiros da Justiça na conspiração e no golpe do Estado. Depois de resolvido o problema PT, contra quem essas instituições vão assacar para reafirmar seus poderes “excepcionais”, acima da democracia? Ou vão simplesmente e candidamente abrir mão deles?
O exercício do poder de fato, que se coloca à margem de regras democráticas, diz a história, nunca se limita a uma contingência de “excepcionalidade” em que forças se unem para abater um inimigo comum. Nessas situações, é a democracia, não o suposto inimigo, a primeira grande vítima. Outras se seguirão, porque o poder “excepcional” torna-se definitivo, incontestável, principalmente se as forças que o exercem monopolizam instrumentos de coerção, como os sistemas jurídico e policial. Isto é: independentemente do voto popular, um procurador acumula hoje um enorme poder de denunciar sem provas, e um juiz de condenar um inocente, porque eles podem acionar a polícia, prendê-lo, lavrar a sentença e colocá-lo na cadeia, e vai ser referendado por uma Suprema Corte que abriu tal grau de possibilidades de condenação por suposição de culpa que descartou por completo a verdade e os direitos constitucionais como pressupostos para qualquer decisão judicial.
Independentemente do uso da vontade contra os aliados de agora, o sistema jurídico, no processo de golpeamento das instituições definidas pelo voto, na prática manterá as forças políticas a ele aliadas no processo de destituição de Dilma Rousseff, e na farsa armada para tornar o ex-presidente Lula inelegível em 2018, como reféns de sua vontade. A ascensão ao poder de um partido venal como o PMDB apenas confirma isso: como um governo comandado pelo grupo de Michel Temer – integrado pelo marido da Marcela e por Eliseu Padilha, Wellington Moreira Franco e, nos bastidores, ainda sob a influência de Eduardo Cunha, Henrique Eduardo Alves e Romero Jucá – e secundada pelo grupo do presidente do Senado, Renan Calheiros, podem ter autonomia em relação aos juízes que mantém nas gavetas processos contra todos eles?
A mesma coisa acontece com o partido que rivalizou com o PT nas eleições presidenciais desde 1994, o PSDB. Livre de processos judiciais por graça dos ministros do STF, que fazem vistas grossas a graves acusações contra seus integrantes – um deles é acusado inclusive de tráfico de drogas – ainda vai trilhar um longo caminho até que os muitos crimes eleitorais ou de corrupção prescrevam e seus principais líderes fiquem a salvo, sem depender da boa vontade dos magistrados. A liberdade de cada um dos delatados e investigados marginalmente pelo Ministério Público, ou réus de processos que dormem nas gavetas do Judiciário, depende da boa vontade de um juiz ou um procurador, ou das suas corporações.
É uma generalização da força bruta. Moro usa instrumentos ilegítimos que estão se vulgarizando na Justiça comum, com a condescendência do STF; os ministros da Suprema Corte têm seguidamente contestado decisões legislativas e imposto o seu parecer, desenhando uma Constituição nova, que não obteve a concordância dos membros do Congresso Nacional; a Polícia Federal, o Ministério Público e a força-tarefa da Operação Lava-Jato, onde Moro pontifica, têm atuado livremente para vazar informações, inclusive de escutas telefônicas, de forma seletiva, e firmar convicção de culpa antes mesmo do julgamento de investigados, invertendo o preceito constitucional de garantia de defesa e derrubando o direito do cidadão à privacidade. Recentemente, o STF decidiu “flexibilizar” outro direito constitucional e definiu condições para a PF invasão de residências sem mandato judicial, ampliando enormemente o poder das polícias.
Tornaram-se normais acusações feitas pelo Ministério Público sem nenhuma prova, apenas por presunção de culpa. E são frequentes os julgamentos sumários de Moro, que condena o réu apenas poucas horas após a apresentação da defesa As justificativas das condenações, não raro, trazem grave conotação política, são inconsistentes juridicamente e frágeis factualmente, mas acabam por se impor pela força sobre o Direito.
O hiperdimensionamento da burocracia Judiciária e do Ministério Público fez do PT e de Lula suas vítimas preferenciais, mas tornou qualquer partido, qualquer político e qualquer cidadão brasileiro atingidos potenciais de um sistema jurídico sem controle. A única diferença entre as delações que justificaram, na maioria das vezes de forma frágil, a incriminação ou condenação de petistas, e as que atingiram peemedebistas, tucanos e políticos de outros partidos, é que houve uma decisão deliberada do MP e da Justiça de condenarem apenas as forças ligadas ao governo petista. No mesmo saco de maldades das investigações do MP e da PF sobre a Petrobrás, todavia, convivem denúncias muito mais sérias atingindo companheiros da Justiça na conspiração e no golpe do Estado. Depois de resolvido o problema PT, contra quem essas instituições vão assacar para reafirmar seus poderes “excepcionais”, acima da democracia? Ou vão simplesmente e candidamente abrir mão deles?
O exercício do poder de fato, que se coloca à margem de regras democráticas, diz a história, nunca se limita a uma contingência de “excepcionalidade” em que forças se unem para abater um inimigo comum. Nessas situações, é a democracia, não o suposto inimigo, a primeira grande vítima. Outras se seguirão, porque o poder “excepcional” torna-se definitivo, incontestável, principalmente se as forças que o exercem monopolizam instrumentos de coerção, como os sistemas jurídico e policial. Isto é: independentemente do voto popular, um procurador acumula hoje um enorme poder de denunciar sem provas, e um juiz de condenar um inocente, porque eles podem acionar a polícia, prendê-lo, lavrar a sentença e colocá-lo na cadeia, e vai ser referendado por uma Suprema Corte que abriu tal grau de possibilidades de condenação por suposição de culpa que descartou por completo a verdade e os direitos constitucionais como pressupostos para qualquer decisão judicial.
Independentemente do uso da vontade contra os aliados de agora, o sistema jurídico, no processo de golpeamento das instituições definidas pelo voto, na prática manterá as forças políticas a ele aliadas no processo de destituição de Dilma Rousseff, e na farsa armada para tornar o ex-presidente Lula inelegível em 2018, como reféns de sua vontade. A ascensão ao poder de um partido venal como o PMDB apenas confirma isso: como um governo comandado pelo grupo de Michel Temer – integrado pelo marido da Marcela e por Eliseu Padilha, Wellington Moreira Franco e, nos bastidores, ainda sob a influência de Eduardo Cunha, Henrique Eduardo Alves e Romero Jucá – e secundada pelo grupo do presidente do Senado, Renan Calheiros, podem ter autonomia em relação aos juízes que mantém nas gavetas processos contra todos eles?
A mesma coisa acontece com o partido que rivalizou com o PT nas eleições presidenciais desde 1994, o PSDB. Livre de processos judiciais por graça dos ministros do STF, que fazem vistas grossas a graves acusações contra seus integrantes – um deles é acusado inclusive de tráfico de drogas – ainda vai trilhar um longo caminho até que os muitos crimes eleitorais ou de corrupção prescrevam e seus principais líderes fiquem a salvo, sem depender da boa vontade dos magistrados. A liberdade de cada um dos delatados e investigados marginalmente pelo Ministério Público, ou réus de processos que dormem nas gavetas do Judiciário, depende da boa vontade de um juiz ou um procurador, ou das suas corporações.
Créditos da foto: Valter Campanato
terça-feira, 11 de outubro de 2016
Brasil: a dimensão geopolítica do golpe
Brasil: a dimensão geopolítica do golpe (3)
Há inúmeros sinais de envolvimento dos EUA no golpe. Em declínio, Washington busca a chamada “hegemonia coercitiva”. Sua estratégia militar teme os BRICS. Suas ligações com José Serra e Sérgio Moro estão documentadas
Mais do que simples mudança de governo, a ruptura institucional consumada no Brasil visa reverter e inviabilizar o projeto de desenvolvimento nacional e regional que começou a ser estruturado a partir da eleição do governo Lula, bem como o movimento associado de reposicionamento estratégico do Brasil e da América do Sul no mundo. Ela se insere em ofensiva regional para desestabilizar os governos de esquerda e centro-esquerda que ascenderam ao poder nas duas ultimas décadas, que se traduziu na destituição dos presidentes democraticamente eleitos de Honduras (em 2009) e do Paraguai (em 2012 – neste caso, em processo de impeachment congressual, tal qual o Brasil); na sucessão de tentativas de golpe processados no contexto de aguda polarização político-social da Venezuela; no recurso a ações de aguda violência física extraparlamentar no Equador (em 2010) e na Bolívia (que se estende até os dias de hoje); e nas derrotas eleitorais impostas aos governos do Chile (em 2010, revertida em 2013), da Argentina (em 2015) e do Peru (em 2016). Um elemento comum a esses variados processos de desestabilização é a forte instrumentalização, por parte de conglomerados monopolistas privados de comunicação e seus aliados políticos, da bandeira da corrupção econômica ou moral para desconstruir e deslegitimar as lideranças políticas carismáticas que encabeçaram os processos de mudança na região, procurando minar e dividir sua base de sustentação congressual e social.
Esta contraofensiva conservadora no continente — com recurso crescente a métodos e alternativas antidemocráticas — relaciona-se à resposta dada pelas potências centrais, em particular os Estados Unidos, à erosão do seu poder hegemônico. Estudiosos das mudanças de ordens hegemônicas no sistema internacional indicam que, ao se deparar com o enfraquecimento do seu poder relativo na ordem mundial que encabeçam, as potências dominantes tendem a instrumentalizar unilateralmente os recursos de poder em que ainda tem prevalência, para tentar conter e/ou minar a consolidação de novos polos de poder no sistema (movimento que Robert Gilpin chama de passagem da “hegemonia benevolente” para a “hegemonia coercitiva”). Para além de variações de forma e de ênfase entre administrações republicanas e democratas, a evolução da política externa dos EUA nas duas últimas décadas é marcada pelo crescente recurso a ações unilaterais de força à margem das instituições multilaterais globais, como evidenciado nas desastradas intervenções no Afeganistão, no Iraque e na Líbia (além da frustrada escalada para intervenção na Síria), bem como no recurso intensivo a ações de “guerra cambial” (instrumentalizando o poder estrutural do dólar nos mercados globais) no contexto da crise econômica mundial deflagrada em 2007.
A consolidação mais recente dessa orientação encontra-se na Estratégia Militar Nacional 2015, elaborada pelo Estado Maior Conjunto das Forças Armadas dos Estados Unidos. Vale destacar que este documento oficial aponta que, mesmo na esfera militar, “vantagens competitivas mantidas pelos EUA por longo tempo estão hoje em xeque”. São identificadas duas ameaças principais à segurança dos Estados Unidos no contexto das rápidas mudanças em curso no cenário estratégico global. A primeira é a que o documento chama de “organizações extremistas violentas” (VEO na sigla em inglês), com destaque para o Estado Islâmico e para a Al Qaeda. Na sua origem, trata-se, na verdade, de organizações fomentadas e apoiadas pelos Estados Unidos no Oriente Médio para desestabilizar regimes considerados adversários (o regime pró-soviético do Afeganistão nos anos 1980 e os regimes seculares de orientação “anti-imperialista” – Iraque, Líbia e Síria – mais recentemente). Na medida em que passaram a alvejar, também, os EUA e seus aliados, foram classificadas como “extremistas”, “violentas” e “terroristas”. Mas segundo o próprio documento, as VEOs não constituem a principal ameaça à segurança dos Estados Unidos. A ameaça principal é a que o documento chama de “estados revisionistas”. Esta nomenclatura abarcaria os estados que procuram “revisar” aspectos cruciais dos processos e instituições que compõe a ordem mundial. Quatro países são explicitamente citados como integrantes desta categoria: Rússia, Irã, Coréia do Norte e China. No âmbito desta formulação, a mencionada agenda reformista dos países BRICs em relação às instituições e mecanismos de governança global passa a ser associada ao que a política de defesa dos EUA considera ser a “principal ameaça” à segurança do país.
A agenda externa dos Estados Unidos vem traduzindo essa formulação em ações, iniciativas e movimentos concretos. A política de cerco e contenção da Rússia materializou-se na expansão da OTAN para países e regiões que integravam o antigo bloco soviético na Europa Central e do Leste, bem como em ações para desestabilizar e depor governos que mantenham relações mais próximas a Moscou, como ocorreu na Ucrânia deflagrando a guerra civil que se estende até hoje no país. Em relação à China, para além de tentar isolar e conter a sua liderança na Ásia através da constituição do Tratado Transpacífico (TPP na sigla em inglês), os Estados Unidos vêm fomentando o acirramento das disputas territoriais de aliados regionais com o governo de Pequim no Mar da China, que já se tornou a principal rota comercial marítima do mundo suplantando em valor e volume de bens transportados a tradicional rota Roterdã‑Nova York.
Neste contexto, não constitui surpresa o fato de atores e interesses importantes na formulação e execução da agenda externa dos EUA verem com bons olhos a contraofensiva conservadora em curso na América do Sul. No caso do Brasil, para além do esperado e protocolar reconhecimento do Governo Temer como governo “de fato”, o embaixador dos Estados Unidos no Conselho Permanente da OEA avançou para a defesa do processo de impeachment no país contra as críticas formuladas por outros países latino-americanos. Mas para além do apoio, até que ponto houve protagonismo de atores e interesses responsáveis pela agenda externa dos EUA nos processos de desestabilização dos governos progressistas na região, e no processo de ruptura institucional no Brasil em particular?
Na prolongada crise política da Venezuela, o envolvimento dos Estados Unidos é mais evidente. No caso da crise política brasileira, há indícios que já podem ser apontados, e que certamente serão complementados por informações colhidas após a liberação posterior de arquivos oficiais para pesquisa, como aconteceu no caso do golpe civil-militar de 1964. Um primeiro forte indício veio com as informações vazadas pelo Wikileaks de Julian Assange em 2013, a partir de informações obtidas por Edward Snowden, que revelaram que o governo brasileiro era um dos principais alvos dos sistemas de monitoramento de comunicações pelos órgãos de segurança dos Estados Unidos, em especial a Agência de Segurança Nacional (NSA). O volume e grau de espionagem eram equivalentes ao dirigido aos estados acima apontados como “grave ameaça à segurança” dos EUA, nomeadamente a Rússia e a China. Para além de altos dirigentes do Estado brasileiro – incluindo a própria Presidente da República – outra alvo prioritário do monitoramento era a Petrobras. Vazamentos mais recentes da Wikileaks revelaram encontros patrocinados pela Embaixada dos Estados Unidos entre empresas petrolíferas americanas e líderes da oposição de então no Brasil, como o senador José Serra do PSDB, em que estes se comprometiam a alterar o regime de partilha na exploração do pré-sal caso viessem a ascender ao poder.
Um segundo indício remete às revelações do Wikileaks sobre relações de cooperação desenvolvidas por setores do Judiciário, da Polícia Federal e do Ministério Público do Brasil com órgãos de segurança e investigação dos EUA ainda em 2009, visando integração de ações e treinamento no combate ao “financiamento do terrorismo”, em um momento em que as autoridades do governo brasileiro responsáveis por conduzir a agenda internacional do país não consideravam essa temática adequada ou relevante para a cooperação do Brasil com os Estados Unidos. O Juiz Sérgio Moro foi protagonista destacado na viabilização desta cooperação. O objetivo manifesto era identificar e minar sistemas de lavagem de dinheiro associados ao financiamento de grupos terroristas. Para tal, foram instituídos procedimentos para troca de informações e treinamento em “melhores práticas” para a sua obtenção e validação. Curitiba foi um dos centros selecionados para o treinamento continuado de forças-tarefas nas referidas práticas.
Da “Guerra ao Terror” à “Guerra à Corrupção”
No caso da “Guerra Global ao Terror” deflagrada pelos EUA após os atentados de 11 de setembro de 2001, sabemos que isso significou fortes ataques e violações de direitos civis e humanos, a ponto de validar práticas de tortura para a obtenção de informações (desde que não praticadas contra cidadãos americanos). A lógica era de que os “fins” (combate ao terrorismo) justificavam os “meios” (restrição de direitos civis e violação de direitos individuais). A mesma lógica foi reproduzida na Operação Lava Jato, com outros “fins” (o combate à corrupção) justificando práticas violadoras de direitos e garantias individuais, como a prisão por tempo indeterminado de suspeitos até que estes firmassem acordos de delação confirmando as acusações dos investigadores; o vazamento seletivo e antecipado para os meios de comunicação de partes do processo de investigação para criar na opinião pública juízo condenatório de lideranças políticas e empresariais suspeitas (alimentando a campanha mediática para deslegitimar as principais lideranças do novo ciclo político no país); o vazamento de diálogos captados ilegalmente, inclusive da própria Presidente da República; a gravação ilegal de diálogos de advogados de defesa em pleno exercício profissional; a negação do princípio constitucional fundamental da presunção de inocência dos acusados; entre outros. Baseados na experiência norte-americana, operadores da Lava Jato defendem abertamente, inclusive, que até mesmo provas ilícitas devem ser validadas em processos investigatórios quando obtidas “de boa fé”. Essas práticas, examinadas em chave weberiana, substituem a ética prudencial da política pela vontade punitiva de estratos do aparato estatal com função investigatória que atuam com autonomia quase ilimitada e, por não integrarem o sistema político formal, não têm de prestar contas pelas consequências dos seus atos. Como a possibilidade de algum grupo recorrer a ações terroristas é permanente — bem como o é o risco da malversação de recursos públicos por gestores desonestos — banaliza-se o uso seletivo e politicamente orientado de práticas e expedientes próprios de regimes de exceção: uma grave ameaça ao Estado Democrático de Direito, conquistado há tão pouco tempo – e a duras penas – no Brasil. Mas é mais do que isso.
Os principais alvos da operação, como se sabe, são justamente as empresas estatais e privadas que desempenharam papel estratégico e estruturante no novo projeto nacional de desenvolvimento que se gestava no país e nas iniciativas de integração física da América do Sul (com destaque para a Petrobras e as grandes empresas nacionais de construção de infraestrutura). Essas empresas – e as críticas cadeias de valor a elas associadas – foram cerceadas, estranguladas e inviabilizadas, contribuindo decisivamente para a crise econômica que se instalou no país a partir de 2015, o que alimentou, por sua vez, a crise política que resultou no impeachment. Ou seja, os prejuízos econômicos e sociais provocados pelos métodos adotados no “combate à corrupção” são incomparavelmente maiores e mais profundos do que os gerados pelos atos de corrupção em si. Há que se ver e comprovar, ainda, até que ponto informações fornecidas seletivamente pelo FBI e outros órgãos de investigação dos Estados Unidos contribuíram para este desfecho, atendendo objetivos mais amplos da agenda externa dos EUA. O fato é que as consequências econômicas e políticas da operação desestabilizaram não apenas o governo, mas todo o projeto nacional e regional de desenvolvimento e os seus atores estratégicos.
Isto não significa que, em nome da preservação desse projeto, devamos ser lenientes e permissivos com práticas de corrupção. O ponto é que o combate à corrupção não pode ser conduzido com base na violação de direitos e garantias individuais, e a punição dos dirigentes empresarias e políticos envolvidos no desvio e apropriação de recursos públicos não pode acarretar a paralisia e/ou inviabilização de empresas essenciais para o desenvolvimento do país. Vale registrar, como exemplo, a experiência da Alemanha na reconstrução do pós-guerra, que preservou e viabilizou empresas que haviam cultivado relações estreitas com o regime nazista e lucrado com atividades associadas ao trabalho forçado e ao extermínio (como a Bayer, Hugo Boss e Siemens, entre outras).
As punições dos dirigentes envolvidos e as indenizações determinadas para a reparação das vítimas não inviabilizaram a continuidade da operação dessas empresas, consideradas atores fundamentais e estratégicos para a reconstrução econômica e o desenvolvimento da Alemanha.
Perspectivas Pós-Ruptura
A ruptura democrática em curso no Brasil configura-se, assim, como ruptura de um projeto de desenvolvimento, executada por um governo não sufragado pela soberania popular para exercer as funções que ocupa. Os anúncios iniciais do novo governo apontam para um retrocesso global, não apenas em relação ao projeto de desenvolvimento que começou a ser estruturado na última década, mas também em relação a conquistas sociais da Constituição de 1988 e da própria Revolução de 30. Anuncia-se o congelamento do patamar de investimentos em Saúde e Educação até 2037 (para garantir a transferência ilimitada de recursos da sociedade para o capital financeiro via dívida púbica); o desmonte das bases de proteção ao trabalhador sacramentadas na CLT (com a promoção da terceirização e o predomínio de acordos negociados sobre as garantias legais); a desvinculação da previdência do sistema de seguridade social (com perda de direitos de aposentadoria e da sua dimensão redistributiva); a retração dos bancos públicos (com reorientação da sua atuação para fomentar processos de privatização); entre outros. Não está claro, ainda, o que será efetivamente proposto ou implementado nesta agenda. Afloram as tensões e contradições na própria base do novo governo em relação a essas propostas, e a oposição da base social do governo deposto se rearticulou de forma rápida e contundente contra os novos rumos anunciados.
A dimensão em que a reorientação de rumos pelo novo governo avançou mais rapidamente foi na agenda externa, com o desmonte do papel de pivô da integração sul-americana exercido pelo país neste início de século. Sob a liderança de José Serra no Ministério das Relações Exteriores (MRE) foram abertos contenciosos diplomáticos com inúmeros vizinhos, configurando um retrocesso até mesmo em relação às iniciativas de aproximação e integração promovidas pelos governos Sarney, Itamar e FHC. Não está claro, ainda, qual será a posição do novo governo em relação à iniciativa BRICS. O governo dá sinais de que poderá enfraquecer a atuação do bloco, para privilegiar uma relação bilateral mais próxima com a China. De maneira geral, o que parece orientar a sua agenda externa é a retomada, em bases mais extremadas, da politica que marcou os anos FHC e que seu finado chanceler Luiz Felipe Lampreia cunhou de “autonomia pela integração”: a compreensão de que o melhor caminho para o país se se desenvolver é buscar nichos favoráveis em cadeias globais de valor comandados pelos centros ainda dominantes do sistema. Mas essa orientação não corresponde à profunda transição em curso na ordem mundial, examinada nesta conferência. Essa transição estrutural tende a minar – a médio e longo prazo – a agenda das forças internas e externas que provocaram a atual ruptura institucional no Brasil, o que abre caminhos políticos para a retomada do projeto de desenvolvimento nacional e regional interrompido, com a devida superação de erros e limitações da sua primeira etapa de implantação.
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*Este texto, que Outras Palavras publica em três capítulos, corresponde à aula inaugural proferida no IESP/UERJ em 5 de setembro de 2016. O trabalho intitula-se, originalmente, “Da Transição na Ordem Mundial à Ruptura na Ordem Democrática Nacional”. A responsabilidade pela divisão em três capítulos, e por seus novos títulos, é de nossa edição
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