quinta-feira, 28 de julho de 2016

O INIMIGO NAS SUAS MÃOS (Sobre o Pokemon Go)

O INIMIGO NAS SUAS MÃOS
1° O (Pokemon Go) foi fundado por esse cidadão: John Hanke
2° Ele também fundou a empresa Keyhole, Inc.
3° Essa Keyhole é um projeto de mapeamento de superfícies, foi comprada pelo Google e usado pra fazer o Google Maps/Earth e Street view.
4° Essa Keyhole foi patrocinada pela empresa In-Q-tel, que foi fundada pela CIA em 1999 (só entrar no site deles e comprovar).
5° Até aqui já podemos ver que a CIA indiretamente poderia ter acesso a todos os mapas do planeta, né? só que eles ainda não conseguiam entrar dentro das casas, correto?
6° Esses dias foi lançado o joguinho Pokemon Go, que virou febre na galera e geral anda usando, né?
7° Pra jogar você precisa dar permissão pro aplicativo usar a câmera, gps, microfone e até os dispositivos USB que estiverem conectados no seu smartphone.
8° Sempre que você aceita a permissão, o seu cel já acha 3 pokemons pertos de imediato (os 3 primeiros pokemons).
9° Quando você procura por pokemons dentro de casa, você permite o aplicativo ter uma foto da sala, incluindo as coordenadas e o ângulo do seu celular.
10° Você acabou de registrar as fotos de onde você mora por dentro e dar acesso ao aplicativo.
Mas Matheus, não é paranoia sua?
Veja bem, você leu os termos de aceitação pra usar o jogo? acho que ninguém vai ler né? são esses:
- “Nós cooperamos com agências do governo e companhias privadas. Podemos revelar qualquer informação a seu respeito ou dos seus filhos…”
No parágrafo 6 vocês podem achar isso também:
- “Nosso programa não permite a opção “Do not track” (“Não me espie”) do seu navegador”.
charge Pawel Kuczynski


Advocacia virou exercício de humilhação e corrida de obstáculos

http://www.conjur.com.br/
Senso Incomum

Advocacia virou exercício de humilhação e corrida de obstáculos


Esta coluna tem um subtítulo, que poderia ser Ação penal fast food do Acre, indenização de R$ 7 na Bahia e fonte secreta para decretação de prisão no RN: o que mais vem ai? Por isso, peço paciência e muita reflexão. Deixemos o tempo da pós-modernidade de lado. Sejamos apenas bons modernos. E leiamos a coluna até o final, desarmados. Com efeito. Nestes tempos difíceis de descumprimento de leis, códigos e da Constituição e do marasmo da dogmática jurídica que insiste, regra geral, em repetir catilinárias que tecem loas às velhas posturas protagonistas, lembro de As Vinhas da Ira, de John Steinbeck. O bebê nascido morto e prematuro. Tio John leva o caixote em que jaz o pequeno cadáver para longe do acampamento. Mas, ao invés de enterrá-lo, deposita-o sobre as águas revoltas de um riacho que a enchente tornou violento. Ao ver o caixote — usado para o transporte de maçãs — sendo levado pelas forças das águas, ele, tão calado e contido, incapaz de se queixar das agruras do cotidiano, grita ao bebê morto, como em um “desabafo fundamental e transcendental”:
Vai, vai rio abaixo e diz aquilo para eles. Vai descendo e estaca na estrada e apodrece e diz para eles como é. É o único jeito de tu dizeres as coisas. Nem sei se tu és menino ou menina, mas nem quero saber. Vai descendo e apodrece na estrada. Talvez, então, eles fiquem sabendo.
Sim — acrescento — talvez então “eles” fiquem sabendo... Na metáfora dos caixotes navegam para o apodrecimento os restos da ciência jurídica e de uma dogmática que que entregou ao simplismo, ao concursismo e ao manualismo mais raso... Talvez o apodrecimento nas margens seja o único modo de dizer “coisas” para eles!
Por que a dramaticidade? Porque parece que está cada dia mais difícil dizer o óbvio. E clamar que acreditem no óbvio. Eu poderia começar com um caso ocorrido na Bahia, acerca da determinação de um juiz para que uma operadora de telefonia (companhias telefônicas são hipossuficientes!!!) pagasse uma indenização de R$7,47 (setereaisequarentaestecentavos) a uma cliente que foi molestada em R$ 193,50 (ler aqui). A Associação dos Magistrados da Bahia justificou a decisão, dizendo que “as decisões judiciais não refletem as posições pessoais dos magistrados. Elas são fundamentadas na legislação vigente e no livre convencimento do mesmo” (ler aqui). Bingo. Viva o livre convencimento. Ele está aí. Serve para blindar qualquer decisão. Ah: será que a associação de classe dos juízes esqueceu que o novo Código de Processo Civil retirou a palavra “livre” (artigo 371)? Portanto, nem a nota oficial se baseou na legalidade. Bem... o que mais precisaria ser dito?
Poderia parar a coluna com a notícia da Bahia. Mas vou seguir. Com John Steinbeck, que também achava difícil denunciar o sistema econômico-social dos Estados Unidos dos anos da grande depressão. Quem lê o livro ou vê o filme, chora. A metáfora do caixote e a mudez do Tio John nos apontam para modos de deixar que as coisas nos falem. Como dizia Gadamer, se queres dizer algo sobre um texto, deixe que o texto diga algo. Deixemos que as coisas nos digam. Talvez fazer palavras com coisas...
Abusos. Descumprimento de garantias. Coisas mínimas. Coisas máximas. Ministro da Justiça, que, como secretário, inventou um novo modo de reintegração de posse. Na marra. Advogados que não podem se entrevistar com os clientes face a uma portaria do Ministério da Justiça. A portaria vale mais do que a Constituição. E não é contestada pelo Ministério Público. Ainda aplicamos a tese da inversão do ônus da prova penal. Enunciados que valem mais do que o CPC. Presunção da inocência que vira a não-presunção. Positivismo jurisprudencialista tomando conta do direito (não há mais leis e CF; existe só o que o judiciário diz que as leis e a CF são; sai a lei e entra a jurisprudência... E tem gente dizendo que o CPC fundou um sistema de precedentes... que lástima). Somando tudo, temos o que temos. Sequer conseguimos fazer cumprir o novo CPC. Afora isso, as vinhas-da-ira-epistêmica aqui se voltam para as audiências de custódia, darwinianamente adaptadas por juízes e promotores para que as coisas continuem como estão. Claro que os números mostram avanços. Mas poderíamos avançar mais.
Vejam o caso ocorrido no Rio Grande do Norte. Audiência de custódia (AC). Presentes o advogado, a ré, a promotora e o juiz. Apresentado o réu (ou seja, dado o corpo ao juiz, como quando do surgimento do habeas corpus no século XIII), o Ministério Público pede a preventiva. O advogado pede a liberdade provisória com ou sem as medidas cautelares, invocando jurisprudência do STF no sentido de que a gravidade do crime não justifica, per se, a prisão cautelar. Até aqui, tudo normal. Tudo legítimo.
No entanto, disse o juiz que não seguia essa (sic) jurisprudência do Supremo. E falou da gravidade do crime imputado ao flagrado. Manteve a ré presa (houve mais duas pessoas que foram apresentadas, mas não interessam aqui). Mas isso até nem impressiona para os fins desta Coluna. O fato é que o magistrado, para “fundamentar” a prisão, disse que recebeu informações extra autos que justificavam a prisão de uma acusada e a soltura de outra. As informações teriam sido passadas a ele por fonte fidedigna. O causídico, então, requereu que essas palavras do juiz fossem colocadas em ata. Afinal, informações extra autos são coisa séria. Além disso, a própria questão relacionada a jurisprudência do STF, contestada pelo magistrado.
Qual é o busílis? O busílis é que o juiz se negou a relatar o que ocorreu, ou seja, escrever o que usara como fundamento. Segundo ele — há gravação de áudio dessa parte — esse procedimento de AC não tem ata ou formalidade para registrar o que se passou. Consequentemente, negou o pedido de transcrição no termo ou ata (seja lá o nome que se dê a isso). O causídico foi buscar socorro na OAB. Pediu, formalmente, que fosse registrada essa circunstância.
Pronto. Não importa, aqui, o resultado. Não importa, também, se o preso apresentado na AC deveria ou não ficar preso. Isso é mérito e nele não adentro. O que importa é o simbólico disso. Como é possível que o juiz diga que tem informações extra autos provenientes de fonte fidedigna e o advogado não tenha o direito de conhecer tais elementos que, provavelmente, foram fulcrais para a decretação da prisão? Íntima convicção do juiz? Isso pode vir de algum lugar secreto? De cocheira? Que fonte fidedigna seria essa? O que é isto, informação extra autos? Quer dizer que o sujeito pode ser preso porque o juiz ficou sabendo de coisas que não estão nos autos? O que está fora dos autos, nestes tempos de pós-modernidade, “virou” processo?
Acontece que isso ocorre todos os dias e nos vários campos do Direito. Trata-se de discutir o direito de o advogado ter a transparência do que ocorreu. O juiz agiu fora dos pressupostos previstos no CPP e no Estatuto da Advocacia, negando-se a colocar em ata coisas fundamentais ocorridas na audiência (de custódia). Ocorre que o que havia ali ocorrido fora uma audiência. Pública. É, pois, direito da parte, do réu, do preso, fazer constar tudo o que ocorreu na audiência. Ouvem-se pessoas. Inclusive são ouvidos o MP e a defesa. Logo, isso tem de ser formalizado. No caso aqui evidenciado, ouvi a gravação e o juiz dizendo que não fará constar em ata, com informações do tipo “esse é o meu procedimento”. Ah é? Será que o juiz leu a Resolução 18/2015, do TJ de seu estado, que diz no artigo 3º, §4, que “Será lavrado termo sucinto da audiência de custódia contendo os fundamentos da decisão judicial proferida, seu dispositivo e o que mais for relevante para o ato, o qual deverá permanecer em autos apartados do processo principal”. E o que dizer das resoluções do Conselho Nacional de Justiça (por exemplo, a 213, em seu artigo 8º, § 3º)? E a CF? E o CPP?
Pior ainda: o Ministério Público, fiscal da lei, nada fez. Quedou-se silente em relação ao requerimento do advogado, ao que sei. O que quero dizer é: no momento em que o advogado pede/requer para fazer constar por escrito isso que ocorreu (de que o juiz teria dito que tinha informações relevantes extra autos), das duas, uma: a) ou o advogado está faltando com a verdade, fazendo chicana e, portanto, o MP, fiscal da lei, deve agir, ou b) se de fato o juiz disse que tinha informações extra autos, o MP, ao nada fazer, corre o risco (estou sendo generoso) de prevaricar. Ou no mínimo de não ser diligente e se portar como um mero acusador e não como um promotor de justiça, como requer a CF.
Quando ao proceder do juiz, o que dizer? Milhares de advogados sofrem com esse tipo de coisa todos os dias. Exercer a advocacia nestes tempos difíceis é um exercício de humilhação cotidiana, como me disse dia desses uma pessoa muito próxima, que sofre cotidianamente com esse tipo de coisa. Só para registrar, de novo: eis um jogo de soma zero e que atinge também o MP, que não se dá conta dessas coisas, porque se comporta como o antigo “promotor público”. Explico:
a) se o advogado pediu algo que não ocorreu, então, mente ou
b) se o juiz se negou a transcrever o que houve, então o juiz pratica abuso. Logo, conclusão: há erro de um ou de outro.
Mas, nas duas hipóteses, o MP erra, ao se quedar silente diante de um dos dois erros. Tertius non datur.
Ah, essas coisas de Pindorama. Essa racionalidade teológica do direito, como diria Hans Albert. Depois ouvimos, em congressos por aí, juízes e promotores falando em direitos fundamentais. Isso, no público. No particular, ouve-se mais coisas do tipo “lá na minha vara não tem essa coisa de advogado...”. “Na minha promotoria...”. Bom, o resto os leitores podem completar. Nas audiências trabalhistas, o sofrimento dos advogados é cada vez pior. A demo-cracia não chegou à sala de audiência.
Eis um problema que venho denominando de PCJ (Privilégio Cognitivo do Juiz), sufragado pela dogmática jurídica nos livros e nas salas de aula em um país que nem tem quadros para lecionar em tantas faculdades. Professores formados a machado para suprir tantas vagas em tantas faculdades. Um país de direitos simplificados, facilitados, mastigados... Compêndios. Resumões. Coachings. Interessante: Essa mesma dogmática queijo suíço se queixa exatamente daquilo que ela mesma sempre fomentou: que no processo, há um PCJ. Tenho amigos, juristas importantes, que levaram anos para me dar razão. Eles achavam que, em sendo o livre convencimento “motivado”, estava atendido o requisito constitucional da fundamentação. Queriam me aplicar a velha história da prova tarifada (como disse um outro Amigo dia destes, ironicamente, “- hoje se a prova fosse tarifada, seria bem melhor...”!). De todo modo, para minha satisfação, hoje uma pequena parcela dos processualistas concorda comigo nessa cruzada contra o protagonismo, o instrumentalismo, o livre convencimento (que é um problema filosófico-paradigmático e não de história de tarifação de prova) e tudo o que disso decorre na vida dos causídicos e dos cidadãos submetidos ao MP e ao PJ. O acusado acaba dependendo do PCJ e não do arsenal de garantias que a CF e o CPP lhe dão. E isso não é democrático.
Aliás, sobre audiência de custódia, lembro aqui parte de texto publicado por Pedro Abramovay (aqui): “Em primeiro lugar, os juízes se utilizam da ideia de que não se julga o mérito nas audiências de custódia de maneira bastante arbitrária. As audiências de custódia, de fato, não são audiências finais, nas quais se profere uma sentença de condenação ou não do réu. Mas é claro que o mérito é relevante. Isso aparece em muitos momentos na justificativas dos juízes para manter os réus presos. Mas cada vez que a defesa tenta levantar uma questão de mérito os juízes não admitem escutá-los”. O texto de Abromovay é autoexplicativo. Não quero me estender porque colunas com mais de três páginas fracassam. Esta aqui já deu quatro. Provavelmente fracassará.

Post scriptum1: Paradoxo: atirar no tatu pode ser menos grave que atirar no fiscal
Um bom exemplo para me dar razão nas coisas que escrevo é o caso do dono de banca de jornal condenado a mais de 7 anos de prisão por ter cometido crime contra a honra de um juiz. Preso desde dezembro de 2015, teve três habeas negados. Pois não é que, saindo uma reportagem no jornal O Estado de S. Paulo (reproduzido pela ConJur) e, bingo. No dia seguinte foi concedido o habeas corpus pelo mesmo desembargador que negara três vezes. Eis aqui uma boa lição para a doutrina, que, como venho dizendo, deve voltar a doutrinar.

É a doutrina que deve constranger... e não a mídia. A doutrina deve ter o poder da mídia. Em 24 horas a mídia conseguiu o que o processo penal ordinário não conseguiu em 8 meses. Simples assim. É vergonhoso. Pavoroso. A pergunta que fica é: essa decisão apaga os erros das decisões anteriores? Qual teria sido a posição do Ministério Público? A malta toda quer saber. A qualidade da vítima foi fulcral, pois não? Ou alguém, de sã consciência, acredita que um crime de menor potencial ofensivo acarrete uma prisão cautelar de mais de 8 meses e uma pena maior do que de homicídio simples? Basta olhar a jurisprudência. Ou alguém acredita que, se a vítima não fosse um juiz, a pena seria essa? Isso é bizarro. Parece aquela piada do campesino que atira em um tatu e recebe o conselho de, na próxima vez, atirar no fiscal do Ibama em vez de tatu ou onça. Por que? Porque, por matar o tatu, a possibilidade de ficar preso antes da sentença era bem maior. É uma anedota-metáfora. Cultura popular. Exagero que diz muito.

Post scriptum 2: No Acre, uma ação penal em 24h? Fast food processual?
Fiquei sabendo que o MP do Acre está exultante com uma ação penal em que, no mesmo dia, houve denúncia, instrução, julgamento e sentença (ler aqui). Crime de roubo. Pena de 5 anos e 4 meses. O que dizer disso? Processo virou “isso”? Porque não dispensamos logo os advogados? Vamos fazer tudo sumarissimamente. Em um dia. Claro: para a patuleia. As experiências sempre se fazem com os patuleus em um país periférico. A propósito: em quanto tempo o MP devolve os autos de um habeas corpus lá no Acre? E no resto do país? E em quanto tempo é julgado um habeas no Acre? E no resto de Pindorama? E os recursos da LEP? Levam só 24 horas? Façam-me o favor. Vamos todos para Estocolmo. Este ano vai ter Nobel para o Brasil.


Uma palavra final...
Em um país com um milhão de advogados, os leitores não acham que estamos indo longe demais? Será que não estamos esticando a corda para além do permitido? Ainda temos uma demo-cracia?

Eis porque coloquei no início da coluna o romance premiado de Steinbeck, As Vinhas da Ira: “— Vai, vai rio abaixo e diz aquilo para eles”. Deixemos, pois, que as coisas digam para eles todos. Deixemos que as coisas falem. Já que não somos ouvidos, talvez “as coisas” falem mais alto.
E uma conclamação pela dignidade da advocacia: advogados de todo o Brasil, façamos do dia 11 de agosto um dia de reflexão. De verdade. Depois da ação penal fast food, da indenização de R$ 7, da prova secreta e do sujeito que ficou preso 8 meses por crime de menor potencial ofensivo, acho que chegou a hora de dizer que a quem vêm os advogados. Endireitar a coluna vertebral. Não mais passar por debaixo da porta do fórum. É isso. Só tem dia comemorativo quem não tem vez. Dia do negro (os outros dias são dos brancos); dia do trabalhador (os demais são dos patrões); dia do índio (o resto...); dia da mulher (o resto...). E assim por diante. Dia do advogado. Dia 11. Os outros dias são de quem? Responda você. Reflita. Façamos os outros dias de dignidade para os advogados. Sem súplicas. Sem humilhações. Sem corrida de obstáculos. Sem ter que discutir o óbvio para exigir os mínimos direitos como fazer constar alguma coisa em ata. Advogados de todo país: uni-vos. Nada tendes a perder depois de tudo que já perderam. Passem a frente esta corrente pela dignidade da profissão.

 é jurista, professor de direito constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do Escritório Streck, Trindade e Rosenfield Advogados Associados: www.streckadvogados.com.br.

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Não se combate o golpe com memes!




Ficam postando ‪#‎foratemer‬, fazendo piadinhas, trocadilhos engraçados nas redes sociais, como se piadas apenas fossem derrubar um governo golpista! Muita coisa está em jogo. A democracia está golpeada de morte. 
Os direitos sociais serão limitados. Terceirização trabalhista, aumento da jornada de trabalho, fragilização do SUS, entrega do pré sal à empresas gringas, diminuição do investimento público em saúde e educação, controle dos movimentos sociais, controle ideológico da educação (escola sem partido) e a única resposta que a esquerda dá é meme na internet!!! 
Se no dia 31 de julho esse povo não tirar a bunda da cadeira, o golpe vai se consolidar. Depois não adianta falar que a história condenou os golpistas. Condenará a todos nós que perderemos as garantias constitucionais conquistadas às duras penas através de muita luta!

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Dez anos depois do fim da CLT, por Átila de Rold Roesler

Dez anos depois do fim da CLT, por Átila de Rold Roesler


Do Justificando

Por Átila da Rold Roesler
“Precários nos querem, rebeldes nos terão” (autor desconhecido).
Brasil, 2027. Já se passaram mais de dez anos desde que sepultamosprecarizamos os direitos trabalhistas nesse país de tamanho continental e de graves desigualdades regionais. Estávamos absolutamente certos de que era o melhor a ser feito. Na época, a crise econômica era grave e não havia outra solução: o desemprego era grande e só aumentava, mês após mês, tampouco tínhamos qualquer expectativa de melhora. O “pato” chegou à conclusão de que a culpa de tudo isso era do direito do trabalho, da “velha CLT” e daquela “justiçazinha atrevida” que se dizia “especializada” e ousava se postar corajosamente em defesa dos chamados “direitos sociais”. Ah, é claro... havia uma Constituição rígida que dificultava a retirada desses direitos ditos “fundamentais”. Mas ela já não valia mais nada, era um sonho que nunca vingou, um espectro a nos iludir, um pedaço de papel que ninguém conhecia. Estava lá e não estava lá. Importava menos do que uma lei ordinária qualquer, muito menos do que um acordo coletivo. Nós dizíamos que a “liberdade” de contratação libertava o indivíduo e revelava a sua plena autonomia nas relações sociais e jurídicas. Acho que esse era o “espírito” da época. Na verdade, nem consigo lembrar direito como retiramos flexibilizamos todo o direito do trabalho ou driblamos a Constituição Federal. Não sei se foi aos poucos, não sei se foi com uma ruptura abrupta ou se foi um golpe. Mas não importa. Conseguimos, enfim.
Mas algo deu errado. Nesse tempo, vimos surgir bancos sem bancários, hospitais sem médicos, escolas sem professores, companhias aéreas sem pilotos/comandantes, empresas sem empregados, fazendas sem trabalhadores rurais, Estado sem funcionalismo público. Após sucessivas reformas, acompanhamos inertes a Previdência Social ser reduzida ao mínimo existencial. A educação e a saúde pública foram privatizadas. O salário dos trabalhadores baixou a um nível indecente por conta da precarização sem limites. Crianças e adolescentes voltaram a trabalhar para complementar a renda da família. No campo, se trabalhava apenas por comida e teto. Os pobres se tornaram miseráveis, desfalecidos. Depois, assustados, vimos a classe média despencar para o fundo do abismo e o consumo de bens e serviços cair vertiginosamente. O emprego foi reduzido a nada.
Fizemos de tudo e a crise econômica não diminuiu, só aprofundou. Trabalhadores e pequenos empresários acabaram sendo triturados diante da investida do capitalismo selvagem do tipo “walmartismo”[1] praticado por grandes empresas multinacionais. A era da precarização tinha chegado ao fim. Iniciava-se outra.
Nesse período, o aparato policial do Estado aumentou assustadoramente, a segurança privada ganhou espaço significativo, milícias foram legalizadas, leis penais mais rígidas foram aprovadas no Congresso, processos criminais ganharam prioridade de julgamento, o devido processo legal foi mitigado, advogados perseguidos, prisões foram construídas e privatizadas e o controle social da população se tornou necessário para impedir a desordem e garantir o progresso do país. Vigilância em nossas ruas e avenidas, drones, policiais-robôs. Ainda assim, aplaudíamos.
Apesar de tudo isso, a violência continuou a aumentar significativamente: furtos, roubos, contravenções, drogas, intolerância, atentados, revoltas, tumultos, crimes cibernéticos. A situação era caótica nas cidades e no campo. Tudo parecia estar fora de controle. O desespero tomava conta da sociedade, pois não havia crescimento econômico, a crise se agravava e grande parte da população brasileira passava fome como outrora. Então, quando festejamos aretirada completa de direitos fundamentais as reformas trabalhistas pensando que avançaríamos, na verdade, acabamos retrocedendo mais de um século em nossas relações sociais. Nesse contexto desesperador, outro espectro há muito desaparecido rondava o Brasil de 2027. E ele parecia incontrolável.
Foi aí que começamos a indagar: “onde erramos?”
Átila Da Rold Roesler é juiz do trabalho na 4ª Região e membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD).
[1] A expressão é de Pietro Basso, utilizada no artigo “O walmartismo no trabalho no início do século XXI”. Revista Margem Esquerda n. 18, Boitempo Editorial, 2012, p. 25.

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Fabio Comparato, Dalmo Dallari e juristas estrangeiros lançam manifesto com críticas ao rito do impeachment

Fabio Comparato, Dalmo Dallari e juristas estrangeiros lançam manifesto com críticas ao rito do impeachment

por Tarso Cabral Violin, em seu blog
Os professores eméritos de Direito Constitucional da USP, Fabio Konder Comparato e Dalmo de Abreu Dallari, acabaram de lançar um manifesto de juristas brasileiros e estrangeiros com críticas ao rito do Impeachment da presidenta afastada Dilma Rousseff (PT).
O manifesto, que está disponível em português, inglês e francês, pode ser acessado e assinado aqui e conta ainda com assinaturas de juristas como Gilberto Bercovici (USP), Marcelo Neves (UnB), Friedrich Müller (Alamanha), André Ramos Tavares (USP e PUC-SP), Pedro Estevam Serrano (PUC-SP), Martonio Mont’Alverne Barreto Lima (Universidade de Fortaleza), Silvio Luís Ferreira da Rocha (PUC-SP), Wilson Ramos Filho – Xixo (UFPR), António Avelãs Nunes (Portugal), José Esteban Castro (Reino Unido), Manuel Gandara Carballido (Espanha), Marcos Sacristán Represa (Espanha), Pablo Ángel Gutiérrez Colantuono (Argentina), Sylvia Calmes-Brunet (França), Agostinho Ramalho Marques Neto, Carlos Frederico Marés de Souza Filho (PUC-PR), Claudia Maria Barbosa (PUC/PR), Eneida Desiree Salgado (UFPR), Geraldo Prado (UFRJ), Gisele Cittadino (PUC-Rio), Jacinto Nelson de Miranda Coutinho (UFPR), Jorge Luiz Souto Maior (USP), José Antônio Peres Gediel (UFPR), José Geraldo de Sousa Júnior (UnB), Manoel Caetano Ferreira Filho (UFPR), Paulo Abrão (ex-SNJ), Paulo Ricardo Schier (UniBrasil), Ricardo Lodi Ribeiro (UERJ), Ricardo Marcondes Martins (PUC-SP), Rômulo de Andrade Moreira, Sueli Gandolfi Dallari (USP), Tarso Cabral Violin, Thomas Bustamante (UFM), entre vários outros advogados, professores e juristas.
Veja o texto:
A CORRETA SISTEMÁTICA JURÍDICA DO PROCEDIMENTO DE IMPEDIMENTO DA PRESIDENTE DILMA ROUSSEFF.
LA SYSTEMATIQUE JURIDIQUE APPROPRIEE POUR LA PROCEDURE DE DESTITUTION DE LA PRESIDENTE DILMA ROUSSEFF.
THE PROPER LEGAL SYSTEMATIC FOR THE IMPEACHMENT PROCEEDING OF THE BRAZILIAN PRESIDENT DILMA ROUSSEF

1. A Constituição Federal de 1988 abre-se com a declaração solene de que “a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito”. O atual processo de crime de responsabilidade, instaurado contra a Presidente Dilma Rousseff, infringe flagrantemente seus três princípios políticos fundamentais.
1. La Constitution Fédérale de 1988 s’ouvre avec la déclaration solennelle : « la République Fédérative du Brésil se constitue en un Etat Démocratique de Droit ». La présente procédure de crime de responsabilité, instaurée contre la Présidente Dilma Rousseff viole de façon flagrante ses trois principes politiques fondamentaux.
1. The Federal Constitution of 1988 opens with the solemn declaration: “the Federative Republic of Brazil is a legal democratic state”. The current process of crime of responsibility, initiated against President Dilma Rousseff, flagrantly violates its three fundamental political principles.

2. Viola o princípio republicano, porque submete o bem comum do povo (res publica) ao interesse particular de um grupo minoritário de cidadãos. Desrespeita o princípio democrático, porque busca destituir a Presidente da República legitimamente eleita, em razão de fatos que não dizem respeito à violação da soberania popular. Por fim, infringe o princípio do Estado de Direito, porque descumpre uma série de procedimentos que constituem condições indispensáveis ao exercício do poder excepcional de destituição da Chefe de Estado, como se passa a demonstrar.
2. Elle viole le principe républicain, car elle soumet le bien commun du peuple (res publica) à l’intérêt privé d’un groupe minoritaire de citoyens. Elle ne respecte pas le principe démocratique, parce qu’elle cherche à destituer la Présidente de la République élue de façon légitime en raison de faits qui ne concernent pas la violation de souveraineté populaire. Finalement, elle enfreint le principe de l’Etat de Droit, parce qu’elle n’accomplit pas une série de procédures constituant des conditions indispensables à l’exercice du pouvoir exceptionnel de destitution de la Chef d’Etat, comme nous le démontrerons ci-après.
2. It violates the republican principle, because it submits the common good of the people (res publica) to the private interest of a minority group of citizens. It violates the democratic principle, because it seeks to remove the legitimately elected President of the Republic, because of facts that do not concern the violation of popular sovereignty. Finally, it infringes the principle of the Rule of Law, because it does not accomplish a number of procedures constituting essential conditions for the exercise of the exceptional power of impeachment of the Head of State, as will be shown below.

3. Para caracterizar “crime de responsabilidade”, na forma do art. 85, inc. VI, da CF, e do artigo 10 da Lei 1079/1950, com fundamento em fatos extraídos do orçamento da União de 2015, é necessário parecer prévio do Tribunal de Contas, relativo às contas prestadas pela presidência da República no exercício orçamentário que se pretenda questionar.
3. Afin de caractériser un « crime de responsabilité », en conformité avec l’article 85, point VI, de la Constitution Fédérale, et de l’article 10 de la Loi nº 1079/1950, se fondant sur des faits extraits du budget de la Fédération de 2015, il faut un rapport préalable de la Cour des Comptes sur les comptes présentés par la présidence de la République pour l’exercice budgétaire que l’on entend contester.
3. In order to characterize a “crime of responsibility”, in accordance with art. 85, VI, of the Constitution and art. 10 of Law nº 1079/1950, on the ground of facts taken from the 2015 Federal Budget, prior opinion of the Accounting Court on the accounts provided by the Presidency of the Republic for the fiscal year that is to be to question is required.

4. Assim também, neste mesmo sentido, faz-se necessário prévio parecer da “Comissão Mista Permanente de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização”, sobre as contas prestadas pela presidência da República relativas ao mesmo orçamento, nos termos do art. 166, inc. I, da CF.
4. En ce sens, un rapport préalable de la « Commission Mixte Permanente de Plans, de Budgets Publics et d’Inspection » au sujet des comptes présentés par la présidence de la République pour le même exercice budgétaire est nécessaire, conformément à l’article 166, point I, de la Constitution Fédérale.
4. In this sense, a prior opinion of the “Permanent Joint Committee of Plans, Public Budgets and Monitoring”, on the accounts provided by the presidency for the same budget is necessary, in accordance with art. 166, I, of Federal Constitution.

5. E, por fim, após ultrapassadas estas duas etapas, é imperiosa a conclusão do Congresso, em sessão conjunta, sobre a rejeição das contas, com base no art. 49, inc. IX, da CF (com “rejeição” ou “aprovação com ressalva” que evidencie a conduta ilícita).
5. Finalement, après être passé par ces deux étapes, la conclusion du Congrès pour le rejet des comptes, au cours d’une séance conjointe, est impérative, suivant l’article 49, point IX, de la Constitution Fédérale (concluant pour un « rejet » ou une « approbation sous condition » qui démontre le comportement illicite).
5. Finally, after having overcome these two steps, the conclusion of Congress for the rejection of the accounts, in joint session, is imperative, based on art. 49, IX, of the Constitution (concluding for “rejection” or “approval with reservations” evidencing unlawful conduct).

6. A sistemática do artigo 85 da Constituição exige, para fundamentação do pedido de afastamento do Presidente, a indicação precisa do ato que ele praticou, diretamente, no exercício do mandato que esteja exercendo, para que reste enquadrado em uma das figuras legais de crime de responsabilidade. E para que se caracterizar o crime, é necessária ainda a comprovação de que o ato foi praticado de má fé, com a intenção de obter proveito ilícito próprio.
6. Afin de justifier la demande d’écartement du Président, la systématique de l’article 85 de la Constitution exige l’indication précise de l’acte pratiqué, directement, dans l’exercice du mandat qu’il est en train d’exercer, pour l’encadrer dans l’une des figures légales de crime de responsabilité. Pour que ce crime soit caractérisé, il faut encore prouver que l’acte a été commis de mauvaise foi, dans l’intention d’obtenir un profit personnel illicite.
6. In order to justify the motion of impeachment of the President, systematic of art. 85 of the Constitution requires the precise indication of the act he/she committed, directly during the mandate he/she is exercising, so that the crime of responsibility is framed in one of the legal provisions. For the crime to be characterized, it is still necessary to prove that the act was committed in bad faith, with the intention of obtaining personal illicit advantage.

7. Sem isso, não é possível utilizar o argumento jurídico-constitucional de ter havido desrespeito à lei orçamentária, para fins de validamente tramitar ou aprovar impedimento do Presidente da República por crime de responsabilidade.
7. Sans cela, il n’est pas possible de se servir de l’argument juridique et constitutionnel de non-respect de la loi budgétaire, aux fins de faire avancer ou d’approuver la destitution du Président de la République pour crime de responsabilité.
7. Without this, it is not possible to use the legal-constitutional argument of not having respected the budget law, for the purpose of advancing or approving the impeachment of the President of the Republic for crime of responsibility.

8. Uma série enorme de argumentos de mérito pode ser utilizada e alegada em defesa do não-cabimento de pedido de impedimento da Presidente Dilma Rousseff por descumprimento da legislação orçamentária. Têm sido listados: (a) desvio de finalidade pelo Presidente da Câmara no recebimento do pedido de impedimento, (b) perda de objeto por aprovação posterior da nova meta fiscal, (c) impossibilidade de alteração da jurisprudência do TCU com efeitos retroativos, etc. Todos estes argumentos nem chegam a ter cabimento ou debate sem que o pleito de impedimento, pelo mérito, tenha início com a verificação, ainda que em tese, da figura típica do art. 85, inc. VI, da CF.
8. Toute une série d’arguments de fond peut être invoquée et alléguée pour défendre l’impossibilité d’accepter la demande de destitution de la Présidente Dilma Rousseff pour violation de la législation budgétaire. Par exemple : (a) détournement de pouvoir par le Président de la Chambre des Députés dans l’acceptation de la demande de destitution, (b) perte de l’objet étant donné l’approbation postérieure d’un nouvel objectif fiscal, (c) impossibilité de changement de la jurisprudence de la Cour des Comptes avec des effets rétroactifs, etc. Tous ces arguments ne peuvent pas avoir lieu ou même être débattus sans que la demande de destitution sur le fond ait débuté avec la vérification – même en théorie – de la figure typique de l’article 85, point VI, de la Constitution Fédérale.
8. A large number of arguments on the merits can be invoked and alleged to defend inability to accept the motion for impeachment of President Dilma Rousseff for breach of budget legislation. For instance: (a) misappropriation of power by the Chamber of Deputies upon acceptance of the motion for impeachment, (b) the subsequent approval of the new fiscal target has made the motion for impeachment to become moot, (c) impossibility of changing the Accounting Court’s precedents with retroactive effect, etc. All these arguments cannot take place or even be discussed if motion for impeachment on the merits has not started with the checking – even in theory – of the behavior contained in art. 85, VI, of the Federal Constitution.

9. O percurso e competências constitucionais decorrentes dos arts. 85, inc. VI, 166, inc. I, e 49, inc. IX, são cogentes, e não podem ser afastados por um procedimento especialmente criado para acelerar uma vontade política conjuntural, ainda que à unanimidade.
9. Le parcours et les compétences constitutionnelles prévus par les articles 85, point VI, 166, point I et 49, point IX, sont obligatoires, et ne peuvent être écartés par une procédure créée spécialement pour accélérer une volonté politique de conjoncture, même à l’unanimité.
9. The path and constitutional powers arising from arts. 85, VI, 166, I and 49, IX, are cogent, and cannot be removed by a procedure specially created to accelerate a conjuncture of political will, although unanimously.

10. A Constituição de 1988 continua em vigor, e não podem a Câmara, o Senado, o STF, e nem mesmo o especial tribunal de impedimento (Senado sob a presidência do Ministro-Presidente do STF) alterarem casuisticamente o rito nela traçado.
10. La Constitution de 1988 continue en vigueur, et la Chambre des Députés, le Sénat, la Cour Suprême Fédérale, ni même le tribunal spécial de destitution (le Sénat sous la présidence du Ministre-Président de la Cour Suprême Fédérale) ne peuvent modifier de façon casuistique le rite qui y a été tracé.
10. The 1988 Constitution is still in force, and the Chamber of Deputies, the Senate, the Supreme Court, and even the special impeachment court (Senate under the chairmanship of Minister-President of the Supreme Court) cannot change case by case the rite that was traced there.

Brasil, 27 de junho de 2016.
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sexta-feira, 1 de julho de 2016

Fátima Oliveira: Com os ataques ao Bolsa Família, Temer quer resgatar a legião de “meninos do pão velho”


Fátima Oliveira: Com os ataques ao Bolsa Família, Temer quer resgatar a legião de “meninos do pão velho”

Postado no www.viomundo.com.br 

A minha recusa a voltar a conviver com o ‘dona, tem pão velho?’
Médica – fatimaoliveira@ig.com.br @oliveirafatima_
As crianças, após o jantar, viam TV. Fazia uma temperatura agradável, mas para nós, nordestinos, recém-chegados a Belo Horizonte, era frio. A campainha tocou.
Atendi.
“Dona, tem pão velho?”
Voz de criança. Era a primeira vez na vida que ouvia aquilo. Demorei a processar a indagação. Espantada:
“Pra quê?”
“Pra comer!”
“Espera. Vou descer.”
O porteiro falava alterado. Eram duas crianças, a maior de uns 8 anos e a menor tendo por volta de 6 anos. Vendo-me com um saco de pão, o porteiro, imbuído da maior autoridade dos pequenos poderes: “A senhora não pode dar pão pra esse povo que pede aqui na rua! Tenho ordem do síndico pra não deixar”.
Dei o calado por resposta e entreguei o saquinho com dois pães para o menino maior, e ambos saíram correndo. Encarei o porteiro: “Comunique ao síndico, que sempre que alguém pedir comida em minha casa, se eu tiver, darei!”
No dia seguinte, recebi uma advertência por escrito, na qual constava a resolução dos moradores, definindo a proibição de dar esmolas na portaria para não atrair gente que “colocasse o prédio em risco”.
Era 1988. Rua Oscar Trompowski, no Gutierrez, bairro de classe média tida como alta. Morei lá mais de um ano, e nunca mais minha campainha foi tocada por gente pedindo comida. Depois que saí de lá, soube que deram um spray de pimenta para o porteiro afugentar pedintes!
Mudei-me para a Cidade Jardim, na zona sul de BH. Prédio de apenas três andares, dois apartamentos por andar. Sem porteiro. Na rua Conde de Linhares, onde morei de março de 1989 a junho de 2014. Lá descobri a dura peregrinação cotidiana de adultos e crianças em busca de pão velho ao anoitecer.
Minha filharada aprendeu a comer pão guardando o pedaço que não queria mais para o “menino do pão velho” – na verdade, uma legião deles, que durante anos tocavam a nossa campainha, tão presentes em nossas vidas que viraram dizeres pedagógicos contra o desperdício e até piadas.
Um dia, ouvi Débora, pré-adolescente, dizer: “Isso, estraga Arthur! Olho maior do que a barriga. Enche bem o prato e joga no lixo! Mamãe se mata de trabalhar, e tu jogando comida fora. Quer virar ‘menino do pão velho?’”
Eram tão onipresentes que em Minas, ao se atender a campainha e se reconhecer a voz de uma pessoa amiga, ainda se diz, rindo: “Tem pão velho, não!”
Não sei dizer exatamente quando começou a escassear até praticamente desaparecer a legião de meninos do pão velho, mas não tenho dúvidas de que foi após o governo Lula instituir o Bolsa Família, como bem lembrava Valdete, idealizadora das Meninas de Sinhá, com quem aprendi muito.
Valdete repetia como um mantra: “Meninos na rua agora são poucos, quase nada comparando com antes de Lula: tudo na escola! Menino do pão velho? Virou coisa do passado! Milagre de Lula com o Bolsa Família! Lá em casa, a gente está comendo pão velho à tripa forra. Pudim, doce, na torta de sardinha, bolo salgado de pão com legumes… e almôndegas com pão velho, melhor não há!” Ê, Valdete, saudade! (“‘Tá Caindo Fulô…’ – Memórias de Valdete e das Meninas de Sinhá”, 22.1.2014).
É a legião de “meninos do pão velho” que o governo do interino quer resgatar no Brasil com ataques ao Bolsa Família, com discursos que até tenho vergonha de repetir, mesmo com aspas; e, agora, com a recusa de honrar o reajuste de apenas 9% concedido pela presidente Dilma Rousseff! Coisa de gente sem repertório humanitário.
Indago outra vez: “Por que o Bolsa Família desperta tanto ódio de classe?” (O TEMPO, 11.6.2013). Nem preciso gastar mais meu latim, mas é ódio de classe de quem acha que o Brasil não deve ser um país cuidador de seu povo.